A natalidade e as crises
Inês Teotónio Pereira | ionline 18 Abr 2015 - 08:00
«A questão da natalidade não é política e, quando se quer tornar políticos causas e assuntos que não o são, os debates são quase sempre estéreis
Uma das maiores falácias nas discussões sobre a natalidade é o pressuposto de que as pessoas têm filhos porque os governos tomam uma ou outra medida que as faz optar pela procriação. Ou seja, que por os casais saberem que podem ter algum alívio fiscal no caso de terem filhos ou maior garantia de um lugar na creche para o seu filho, resolvem aumentar a prole. Nada mais enganador. Para decidir ter um filho, ninguém vai fazer simulações no portal das finanças. As pessoas têm filhos porque arriscam. E arriscam sempre. Com mais ou menos condições económicas, com mais ou menos segurança, é impossível prever o que vai acontecer daqui a meia dúzia de anos e se estas condições se vão alterar, para melhor ou para pior. Por isso, a opção de ter filhos é sempre um risco pouco calculado. E é isso que faz com que qualquer política de natalidade seja acessória.
Portugal tem uma das taxas de fecundidade mais baixas do mundo, mas Portugal não é um dos países mais pobres do mundo. Portugal viu decrescer a taxa de natalidade nos últimos quatro anos de forma acentuada, mas Portugal não é o país com a crise mais acentuada do mundo. A verdade, e isso é que é grave, é que há cada vez menos crianças a nascerem em Portugal apesar do governo, da troika, do euro ou dos impostos. Em Portugal nascem cada vez menos crianças, em primeiro lugar, porque as pessoas têm medo de ter filhos. Não arriscam.
A expectativa é legitimamente alta e, na dúvida, não se arrisca. Antes não ter filhos do que arriscar que os filhos possam vir a ter dificuldades, não conseguir dar-lhes a educação que deviam ter, a casa onde mereciam viver, ou a disponibilidade e o tempo vital ao seu crescimento.
A taxa de natalidade em Portugal, que vem a diminuir ano após ano desde a década de 70, não tem exclusiva ou essencialmente a ver com as conjunturas económicas que fomos atravessando nos últimos 40 anos. Nos últimos 40 anos, já fomos um país pobre, um país rico, um país em crise, um país em crescimento e um país quase falido. E nem por isso a curva da natalidade se alterou. Mesmo na altura em que se registou a maior entrada de riqueza da nossa história, depois da adesão à União Europeia - só comparada com a entrada do ouro do Brasil -, os casais portugueses não tiveram vontade de se multiplicar.
E as razões são essencialmente duas: a expectativa em relação à manutenção das condições de vida e a insegurança de não se conseguir dar aos filhos as condições que se consideram razoáveis. Não é uma questão ética, moral ou sequer religiosa. É apenas de expectativas. Aquilo que hoje pretendemos para os nossos filhos não é o mesmo que os nossos avós ambicionavam. Mais água na sopa, depois logo se vê ou tudo se resolve, são expressões que não fazem parte do léxico do Portugal do novo milénio.
Esta semana debateu-se mais uma vez no parlamento a questão da natalidade. E o debate, como não podia deixar de ser, centrou-se na ideia de que foram a maioria e o governo, num exercício sádico e cruel de acabar com o povo português e de, quem sabe, importar alemães para habitar as terras lusitanas, os grandes e principais responsáveis por os portugueses não terem filhos. O debate foi, por isso, oco. Mas a verdade é que dificilmente podia ser de outra maneira. A questão da natalidade não é política e quando se quer tornar políticas causas e assuntos que não o são, os debates são quase sempre estéreis.
Os governos, qualquer governo, só têm e só devem ter a obrigação e a responsabilidade de criar condições para que os países se desenvolvam, para que os mais vulneráveis sejam protegidos e que a liberdade seja garantida. E que dentro da esfera que diz respeito ao Estado não exista discriminação positiva ou negativa conforme o número de filhos. Ter ou não ter filhos é sempre um exercício de liberdade, uma opção de cada um em cada momento. Se essa opção dependesse de governos, de medidas ou de políticas, não seríamos portugueses, mas sim chineses.
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