Declínio do Ocidente?

JOÃO CARLOS ESPADA 06/04/2015 - 00:51

O sistema internacional baseado em regras, e que emergiu sobretudo no final da Guerra Fria, está claramente a ser posto em causa.
Foi a 29 de Janeiro, em Washington, mas só agora, durante o retiro da Páscoa, é possível voltar ao tema do evento. Tratou-se de uma mesa-redonda para assinalar os 25 anos do Journal of Democracy. O tema era ligeiramente diferente do título deste artigo: “Está a Democracia em Declínio?”. Mas, em boa verdade, julgo que o que esteve – e está – em discussão é o (eventual) declínio do Ocidente.
O tema domina a edição de Janeiro do Journal of Democracy (JoD, volume 26, número 1, Janeiro de 2015) e reúne alguns dos mais conceituados estudiosos da democracia. Alguns deles estiveram no debate em Washington: Marc F. Plattner, Larry Diamond, Thomas Carothers, Steven Levistsky, Alina Mungiu-Pippidi e Lucan Way.
À primeira vista, havia duas posições em confronto: Levitsky e Way defenderam no colóquio e num artigo do JoD que existe um Mito da recessão democrática. A posição oposta foi claramente assumida por Larry Diamond, quer no debate, quer no seu artigo no JoD: Enfrentando a recessão democrática.
Marc F. Plattner observou, no entanto, que se trata de um desacordo sobre matérias diferentes – e creio que tem razão.
Os argumentos de Levitsky e Way referem-se ao número de democracias e sua evolução desde 1974, quando Portugal inaugurou a chamada “Terceira Vaga” de democratização mundial. Esses números indicam uma expansão da democracia entre 1975 e 1985, e uma poderosa aceleração entre 1985 e 1995. A partir de 2000, ou talvez mais exactamente de 2006, nota-se uma estagnação e ligeiro retrocesso. Mas este retrocesso não é certamente comparável àquilo que Huntington designou por “contravagas” de democratização (ocorridas entre 1922-42 e entre 1958-75).
Neste sentido estrito, Levitsky e Way poderão ter razão quando falam do “mito da recessão democrática”. Mas, noutro sentido menos quantificável, e talvez mais profundo, Larry Diamond tem razão em alertar para a real existência de uma erosão democrática. Trata-se da erosão da percepção da democracia no mundo, da sua atractividade e da sua capacidade de resposta.
Marc Plattner distingue três níveis em que essa erosão da imagem da democracia tem ocorrido.
Em primeiro lugar, existe uma crescente impressão de que as democracias euro-atlânticas estão a enfrentar sérias dificuldades políticas e económicas. O sentimento é particularmente agudo no que respeita à Europa e, sobretudo, à zona euro, onde as taxas de crescimento têm sido muito baixas e o desemprego muito elevado, na última década.
Em segundo lugar, e em parte como contrapartida do fenómeno anterior, assiste-se à crescente assertividade internacional do soft power de regimes não-democráticos ou/e antidemocráticos. Diz Plattner que “a Rússia, o Irão, a Arábia Saudita e a Venezuela, além da China, têm aprendido uns com os outros e, até nalguns casos, cooperado entre si para reduzir o progresso da democracia”.
Em terceiro lugar, assiste-se a uma mudança no equilíbrio geopolítico entre as nações democráticas e as suas rivais. A mudança, em termos de hard power, é patente em várias zonas do globo e com vários protagonistas, mas é particularmente evidente na agressividade do fundamentalismo islâmico na Síria e no Iraque. A invasão da Crimeia pela Rússia é outro sinal distintivo de que o sistema internacional baseado em regras, e que emergiu sobretudo no final da Guerra Fria, está claramente a ser posto em causa. Simultaneamente, os orçamentos de defesa das democracias continuam a diminuir – como foi recentemente observado pela administração norte-americana.
Esta mudança geopolítica trará sérias consequências. Como recorda Marc Plattner, num mundo de novo dividido em esferas de influência e blocos de poder, a capacidade de escolher uma via democrática voltará sobretudo a depender da geografia de cada país, não das preferências das suas populações.
Acresce que essas preferências sofrerão também alterações. A verificar-se o que Robert Kagan designa por “America’s retrenchment”, ou Stephen Bret por “America in retreat”, a preferência pela democracia passará a ser menos atractiva – sobretudo para aquelas pessoas e nações que preferem em primeiro lugar estar do lado do vencedor, ou do mais forte.
Um fenómeno semelhante terá ocorrido a seguir à vitória das democracias após a I Guerra. Em 1920, a democracia ainda podia ser considerada como “o regime natural.” Mas o isolacionismo da América, na época sobretudo promovido pelos republicanos contra a herança de Woodrow Wilson, deixou as democracias na Europa sem âncora. Em 1938, apenas restavam dez dos 28 regimes (mais ou menos) parlamentares de 1919. Sabemos o que veio a seguir.

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