A descoberto
JOSÉ MIGUEL PINTO DOS SANTOS Público 28/04/2015 - 01:43
Se a atividade financeira, em geral, tem má imprensa, há algumas práticas financeiras que são especialmente vilipendiadas porque mal compreendidas. Uma delas é a venda a descoberto.
O mundo das finanças tem má fama. Não há nada como uma operação financeira, por mais comezinha e legal que seja, para difamar uma instituição ou destruir uma carreira. Quer-se demitir um gestor? Basta dizer que fez um swap! Pretende-se denegrir uma empresa? Mencione-se que constituiu um SPV na Holanda. Mas se a atividade financeira, em geral, tem má imprensa, há algumas práticas financeiras que são especialmente vilipendiadas porque mal compreendidas. Uma delas é a venda a descoberto.
Vender a descoberto é vender algo que não se tem. O que não é intrinsecamente mais perverso do que comprar algo com dinheiro que não se tem. Envolve pedir emprestado o ativo que se pretende vender e vendê-lo. Mais tarde implica recomprar esse ativo e devolvê-lo ao seu dono. Para que serve? Serve para quem está convencido de que o preço irá descer poder transformar essa expectativa num ganho. O que não é mais especulativo do que – e é tão legítimo como – uma compra na expectativa de que o preço vai subir.
Social e economicamente, as vendas a descoberto cumprem uma função importante, ao permitir que pontos de vista diversos sobre o valor de um ativo se possam exprimir em pé de igualdade e, portanto, tornar os preços de mercado informacionalmente mais eficientes. Mas não será que tornam os mercados financeiros ainda mais voláteis, mais casino do que mecanismo racional de alocação de recursos escassos? Antes pelo contrário. O possibilitar a venda, durante euforias, a quem é pessimista, tem por efeito deflacionar a bolha que os otimistas insuflam com dinheiro emprestado. E quanto menos inchada estiver a bolha, menor será a queda que se lhe segue. E também menor será o incentivo para os pessimistas venderem.
Por outro lado, subidas irracionais no valor dos ativos são alocacionalmente tão perversas como descidas irracionais; e geram desigualdades sociais mais gritantes. Mas, curiosamente, ninguém protesta contra compras alavancadas, isto é, financiadas por empréstimos. Só contra vendas a descoberto.
Mas será que as vendas a descoberto não são um instrumento de manipulação do mercado? Não são mais, nem menos, do que as compras alavancadas. Qualquer instrumento pode ser usado bem ou mal. Isto acontece com todos os instrumentos financeiros, mas também com qualquer instrumento não financeiro. Até acontece com as facas. As facas não cortam. São os homens que cortam com facas. Vamos proibir as facas?
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