40 Anos depois das eleições de 1975
JOÃO CARLOS ESPADA | Público | 20/04/2015 - 06:34
Curiosamente, também o fascismo, tal como o comunismo, se reclamou da “verdadeira democracia”.
No próximo sábado, celebraremos os 40 anos das primeiras eleições livres de 25 de Abril de 1975.
Essas primeiras eleições marcaram a vitória de uma concepção liberal, ou constitucional, ou pluralista, da democracia sobre as concepções autoritárias que se reclamavam de uma democracia socialista, ou revolucionária, ou popular — cujos partidários tudo fizeram para impedir as eleições de 1975.
É importante recordar estas duas interpretações de democracia por várias razões. Porque se trata de um dualismo fundamental na filosofia política moderna — que no século XX tomou expressão no duplo confronto das democracias liberais com o comunismo, bem como com o fascismo e nacional-socialismo.
Mas também é importante porque renascem hoje na Europa — na Grécia, em Espanha, em França, em grau menor também entre nós — vários discursos políticos contra a democracia representativa que simplesmente reproduzem os velhíssimos argumentos contra a democracia liberal ou constitucional, ou pluralista.
Os argumentos dos comunistas contra as eleições de Abril de 1975 foram retomados por Álvaro Cunhal na célebre entrevista a Oriana Fallaci, a 6 de Junho daquele ano, que já aqui citei várias vezes (e que o semanário Expresso voltou a publicar na série “Grandes Entrevistas da História”, vol. 5, 30 de Novembro de 2014).
Disse Cunhal a Fallaci: “Nós, os comunistas, não aceitamos o jogo das eleições" (p.58). "Garanto-lhe que Portugal não terá um Parlamento" (p.59). "Portugal já não tem qualquer hipótese de estabelecer uma democracia ao estilo da que vocês têm na Europa ocidental" (p. 59). "Portugal não será um país com as liberdades democráticas e os monopólios. Não será companheiro de viagem das vossas democracias burguesas" (p. 73).
Os argumentos de Álvaro Cunhal contra as “democracias burguesas” assentavam na crítica marxista e leninista à chamada “ilusão da representação dos interesses do povo através de eleições parlamentares”. De quatro em quatro anos, tinham dito Marx e Lenine, o povo elege aqueles que o vão oprimir nos quatro anos seguintes.
Foi à luz desta crítica à “ilusão da representação eleitoral” que Cunhal pôde dizer naquela entrevista: “Se pensa que o Partido Socialista, com os seus 40% dos votos, e o Partido Popular Democrático, com os seus 27%, constituem a maioria, está enganada! sic” (p.58).
É hoje menos conhecido que o fascismo e o nacional-socialismo tinham apresentado argumentos muito semelhantes contra a democracia parlamentar. Num artigo sobre “A doutrina do fascismo”, publicado na Enciclopédia Italiana em 1932, Mussolini disse que “o fascismo opõe-se à democracia porque esta a identifica com a maioria, baixando-a ao nível da maioria. (…) Por regimes democráticos nós entendemos aqueles em que, de tempos a tempos, ao povo é dada a ilusão de ser soberano através de consultas periódicas”.
Mas, curiosamente, também o fascismo, tal como o comunismo, se reclamou da “verdadeira democracia”. O fascismo, acrescentou Mussolini, “é a mais pura forma de democracia se a nação for entendida, como deveria ser, qualitativa e não quantitativamente, como a mais poderosa ideia, como uma consciência e uma única vontade. (…) O fascismo poderia ser definido como uma democracia organizada, centralizada e autoritária.”
Não é possível neste espaço explorar as importantes premissas comuns ao comunismo e ao fascismo. Mas devemos pelo menos alertar para dois cruciais pontos comuns:
Em primeiro lugar, a ideia de que existe um e um só “verdadeiro interesse do povo” (ou da nação, no caso do fascismo, ou do proletariado, no caso do comunismo).
Em segundo lugar, esse interesse unitário do povo tem um intérprete seguro e infalível: o partido fascista ou o partido comunista, dependendo da preferência do intérprete. A consequência é inevitável: não pode haver propostas concorrentes e não pode haver liberdade de escolha entre propostas e partidos concorrentes. O poder será de um só partido e será ilimitado: não haverá freios nem contrapesos, nem oposição legalmente reconhecida.
Há 40 anos, os portugueses deram a devida resposta a estas teorias. 91,66 % dos eleitores acorreram às urnas e deram uma sólida maioria aos partidos constitucionais pluralistas: PS (37,87%), PPD (26,37%) e CDS (7,6%). O PCP teve apenas 12,46%. Talvez fosse útil não esquecer estes factos e o que eles significam.
Recordando José Mariano Gago: A notícia da sua morte gerou genuína consternação entre nós. Conheci-o, ao longe, ainda nos anos da revolta estudantil de 1969 contra a ditadura. Estivemos juntos no processo que conduziu à fundação do Clube da Esquerda Liberal, em 1982-4. Divergimos depois, sobretudo quanto ao papel do Estado na ciência e educação. Mas nunca isso afectou a nossa relação pessoal. José Mariano Gago foi um exemplo de dedicação à ciência e à modernização do país.
Comentários