Uma conversa com Pedro Passos Coelho

MÁRIO AMORIM LOPES
O Insurgente ABRIL 4, 2016 
Pedro Passos Coelho disponibilizou-se para uma conversa de cerca de meia hora com os social media que estavam presentes no Congresso. Estive lá eu, o Carlos Guimarães Pinto, o Vítor Cunha, entre outros. O texto que se segue é o meu entendimento, muito próprio, do que foi a conversa e de quem é Pedro Passos Coelho. Não reflecte necessariamente a opinião de nenhum dos outros que esteve presente, nem d’O Insurgente. Não é uma crónica, não é uma entrevista, é um texto livre, tão livre quanto possível.
Eram 13h30. Em ponto. A pontualidade não define um grande líder — Churchill tinha o terrível hábito de chegar tarde a encontros com o Rei Eduardo VIII, um homem de sangue britânico e pontualidade suíça —, mas define um homem pontual. Um homem pontual leva os seus compromissos a sério, e isso não é pouco. 
Em contraponto, José Eduardo Martins, que alguns afiançavam ser a alternativa a este Passos que alguns queriam crer isolado, os que das cadeiras de comentador urdiam, em voz audível, «isolado!», chegou cinco minutos atrasado à votação, ficando assim impossibilitado de votar. Esquivou-se então em tom de remoque: «é natural, este PSD está cada vez mais alemão». 
Recordei-me de uma história passada em Lund, na Suécia. O autocarro preparava-se para partir, e um homem, que corria desalmadamente, achega-se, ainda a tempo de bater no vidro, respiração sincopada com o fôlego. O condutor, irredutível, prossegue viagem. Fá-lo sabendo que facilitando esta — apenas esta; oh!, seja simpático; muito obrigado —, estaria a prejudicar terceiros. Ao beneficiar um estaria a atrasar todos os outros. Ser sueco ou ser alemão é isto.
O espaço onde nos recebia era o melhor que um contentor montado de improviso em zona privada do Congresso poderia proporcionar. Outros, outrora, exigiriam condições mais condignas para quem se presta à causa pública, quando na verdade se prestam da causa pública. O espaço era austero, o que combina com a figura de Passos. As paredes brancas e inóspitas que nos circundavam demarcavam o espaço. O físico, que tampouco importa, e um outro, que procurava dar privacidade à coisa. 
Nesse espaço Passos poderia estar à vontade; largar a postura institucional, usar o tom coloquial, disparar uma ou outra piadola de circunstância, os ice-breakers, que seduzem quem se quer deixar seduzir. Nem uma. A conversa poderia ser transcrita e reproduzida verbatim em qualquer jornal, em qualquer documento oficial. Só uma referência a «gajos» e nada mais se aproximaria do coloquialismo. Passos não desmontou a persona — pensava eu. Não deixava cair a máscara. Não podia. Não há máscara, não há persona, a figura perante nós era mesmo Pedro Passos Coelho, o homem e o político, pois são ambos indissociáveis. «Frio, sereno, responsável, determinado», havia de dizer Santana Lopes horas mais tarde.
O pin na lapela continuava lá, ou não fosse Passos, Passos. Estaria melhor empregue na lapela de outros, mas a isso aludirei mais tarde. Havíamos preparado meia dúzia de questões. Queríamos ser ousados, disruptivos, fugir à planilha jornalística. Afinal, não somos media tradicionais, nem somos sequer media. Não temos de seguir nenhum guião, nenhuma regra dita ou regula esta conversa. Na pior das hipóteses seríamos tão parciais ou imparciais quanto o Público. Queríamos também um traço de humor. Mas nem sempre as coisas correm como prevemos, e a entrevista era afinal uma conversa informal, que, tratando-se de Passos, seria naturalmente formal.
A primeira questão prendeu-se inevitavelmente com algo que há muito me preocupava, e que tão bem plasmado estava no slogan que Passos decidira adoptar como mote de campanha — «Social democracia, sempre!». Credo. Henrique Raposo, em 2008, definiu bem o posicionamento ideológico dos partidos portugueses. O PCP era a esquerda marxista; o BE a esquerda circense; o PS a esquerda socialista; o PSD a esquerda social-democrata e o CDS a esquerda beata. Mais coisa, menos coisa, tudo de esquerda. 
Passos queria mesmo recuar 40 anos e levar o PSD de volta ao socialismo? É que nesse campeonato o PSD está automaticamente derrotado. Há outros partidos com bem mais apetência para o socialismo, para as vidas para além do défice, para o despesismo, para as medidas populares, populistas e popularuchas, para o comprar a pronto e pagar a prazo. E, invariavelmente, para falir o país. Era isto que o PSD ambicionava voltar a ser?
Impôs-se o silêncio. Expectante, Passos aguardava por uma questão. «Bernstein definiu a social-democracia como a via não-revolucionária para o socialismo. Entretanto caiu o muro de Berlim, a União Soviética dissolveu-se e o modelo socialista faliu — no sentido figurado e no sentido literal, pois de facto faliu muitos países. O que é a social-democracia em 2016?» — questionei-o, finalmente. 
Passos reagiu: não, a nossa social-democracia não é a social-democracia de Bernstein ou de Rosa Luxemburgo. Ainda bem, é que essa social-democracia é socialismo de fato e gravata, pérolas e iPhones, ao invés da boina, da barba e da AK-47 — pensei eu. Estava (um pouco) mais descansado, mas isto não bastava. 
Passos deu então o exemplo da evolução da social-democracia dos países nórdicos. Referiu-se à Dinamarca, à Suécia e à Finlândia. À liberdade de escolha na escola, nos prestadores de saúde. E eu projectava aquilo que sabia destes países: de 1994 até hoje, a Suécia reduziu a despesa pública de mais de 70% do PIB para cerca de 53%; existe o cheque-ensino, significando isto que uma família pobre, que nasceu num bairro pobre, pode sonhar com ter um filho a estudar numa boa escola e a não estar condenado à malfadada roleta russa das escolas públicas que rodeiam o bairro — seis balas no tambor e outra vida perdida; a Dinamarca tem um mercado laboral flexível, que, não dificultando o despedimento, não dificulta a contratação. A flexisegurança dinamarquesa permite manter as empresas competitivas, ao mesmo tempo que o Estado protege os mais vulneráveis. 6.3% de desemprego na Dinamarca, metade de Portugal. Recordei-me do 12º lugar da Dinamarca, do 19º da Finlândia e do 23º da Suécia no Índice de Liberdade Económica, que contrastam com o tíbio 64º lugar de Portugal nessa lista, que disputa taco-a-taco com a Albânia e com o Ruanda, reconhecidos portentos económicos. 
Pensei também nos sistemas de pensões por capitalização, responsáveis e que premeiam a poupança. «A social-democracia evoluiu» — recordou-nos, e trouxe-me de volta. E recordou uma história de Sá Carneiro. Quando questionado se estaria mais próximo do SPD ou da CDU — contava Passos —, este respondeu «SPD!» sem deixar que o jornalista terminasse de formular a questão. E a questão é que, hoje, nem o SPD é o SPD de então, tal como o PS também não é o PS, e até o próprio PCP cedeu aos revisionismos e ocupa lugar cativo nessa «brincadeira burguesa» — palavra de marxista — que é o Parlamento. Esta social-democracia é bem menos socialista do que o que existe em Portugal, é bem mais liberal. O mundo é menos socialista. Não coincidentemente, o mundo é menos pobre e mais próspero. E ainda bem.
Se podemos sonhar, perguntei-lhe então se não podíamos sonhar sermos como a Irlanda. Fiz esta pergunta como aliás faço sempre, exactamente com a mesma entoação da criança que pergunta aos pais porque não pode ter aquilo que o amigo da escola também tem, com a esperança e a convicção de que não existe nenhum determinismo histórico que nos condene a esta consumpção que nos consome, porque somos aquilo que quisermos ser — enfim, perguntei com toda a inveja e angústia do mundo. 
A Irlanda dos anos 80 era um dos países mais pobres da Europa. Baixou o IRC, reformou e liberalizou as suas instituições, fez uma das consolidações fiscais mais duras de sempre e reduziu significativamente a despesa pública. Libertou-se. Com isto atraiu investimento directo estrangeiro, que em poucos anos a catapultaram para os lugares cimeiros da riqueza e prosperidade europeia, tendo ultrapassado quase todos os países, incluindo a Alemanha. Incluindo os tais alemães pontuais. Porque não podemos sonhar e almejar ser como a Irlanda, um país mais próspero, menos pobre? 
Não podemos ser um Portugal 2.0? 
E Passos foi Passos, que é, e aqui confirma-se, bem mais do que a sua circunstância. Respondeu com o mesmo tom assertivo, destemido, empolgado com que outrora respondera perante a chamada para resgatar o país: «E porque não ir além da Irlanda?». Aim for the sky and you’ll reach the ceiling. Portugal tem um clima melhor, praias maravilhosas, uma gastronomia fantástica, paisagens e cidades maravilhosas — listou. Temos gente igualmente competente, e temos as gentes para fazer acontecer. É verdade, temos mesmo. E ainda assim estamos tão longe do céu. Mas esta vontade de fazer, que não nos levou além da Troika, já não foi pouco. 
E talvez tenha sido isso que permitiu que Passos conduzisse a única coligação que chegou ao fim do seu mandato num momento que, não fosse tratar-se de Portugal, seria apelidado de invulgar — mais uma falência. Também não fomos além do programa da Troika e muita coisa ficou por fazer. Mas o que dista daqui ao céu são bem mais do que quatro anos, é um projecto de uma geração. E, nestes quatro anos, o país, Portugal, passou de um falência técnica, de um humilhante resgate para um país que cresce, ainda que timidamente. Onde o emprego recupera, ou recuperava, para ser exacto. Um inédito excedente na balança corrente e uma balança comercial equilibrada. Tanta coisa feita, e tanta coisa ainda por fazer. Mas existia um projecto. Vamos exportar mais, vamos ter contas equilibradas, vamos virar-nos para fora, vamos baixar os impostos e libertar recursos para que possa haver criatividade. A mim bastar-me-ia sermos como a Irlanda.
Passos respondeu como se esperaria que respondesse, e esta certeza é de certa forma tranquilizante. Não temos um herói — na vida real não existem heróis, apenas anti-heróis — que cavalga, qual paladino, para salvar o país. Não se presta a isso. A figura mitológica grega do herói é um sucesso nas grandes epopeias, mas uma desgraça na vida real, desgraça que termina sempre em desolação e desilusão. 
Não queremos, não precisamos de heróis. Precisamos de homens e mulheres que nos digam: «Agora é convosco!». Os verdadeiros heróis acordam às 7h da manhã e trabalham sine die para proporcionar uma vida melhor aos filhos, esfalfados pela labuta e pela repartição de finanças. Os verdadeiros heróis não têm tempo para ir a Congressos.
Um assessor avisa que o tempo está a terminar, há afazeres a fazer. E terminada a conversa não consigo deixar de pensar no pin. Só me ocorre que aquele pin na lapela não faz qualquer sentido. 
Passos não precisa do pin para nada. 
Pin na lapela deveriam usar todos os que, por via do facilitismo, das vãs promessas e do populismo acabam invariavelmente falidos. Passos continua a ser Passos, o mesmo Passos, para o bem e para o mal. 
E o pin estaria melhor na lapela d’outros, lembrete permanente de que Portugal precisa de serenidade, responsabilidade e determinação. Santana Lopes tinha mesmo razão, Passos é isto. Esperemos que não mude nunca.

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