Um Verão português

 ALBERTO GONÇALVES
DN 2014.08.03

Para um país cuja actualidade é tão pateta durante o ano inteiro, seria de esperar que a silly season portuguesa não se distinguisse das temporadas restantes. Gloriosamente, distingue-se: o nosso Verão consegue elevar o ridículo a níveis desconhecidos para cá da Venezuela, onde "um passarinho" acaba de contar ao Presidente Maduro que Hugo Chávez - o "grande profeta" - se sente "feliz".
Ele é a passagem à "clandestinidade revolucionária" do Partido da Nova Democracia na Madeira, embora que se saiba ninguém, incluindo os cidadãos com direito de voto, persiga a referida agremiação. Ele é a "praia urbana" no centro de Lisboa. Ele é a "pipa de massa", o termo técnico utilizado por Durão Barroso para explicar a próxima vaga de fundos europeus. Ele é o "génio do Euromilhões" que descobriu que a multiplicação das apostas aumenta a probabilidade de sucesso e nem assim arranja 500 euros para ir aos EUA apresentar a boa-nova. E ele é o presidente de uma Federação Portuguesa de Cicloturismo, que quer os automobilistas a pagar os acidentes provocados pelos ciclistas (ou apenas os acidentes de autoria duvidosa, as notícias não são claras).
O caso do senhor José Caetano merece atenção redobrada. Segundo este repentino herói da classe operária, quem anda de bicicleta fá-lo por falta de dinheiro para um carro, um passe social ou, lá está, um vulgar seguro de responsabilidade civil (cerca de 25 euros, pelas minhas pesquisas). Como é que semelhante desgraçado foi capaz de comprar uma bicicleta é mistério que me escapa. Mas essa não é a questão levantada pelo senhor José Caetano. A questão é a necessidade de constatar com urgência que todos os condutores de automóveis são uns nababos arrogantes e empenhados em estraçalhar os sucessores de Eddy Merckx que se lhes atravessem à frente. A questão é a presunção da inocência dos que têm menos, ou dos que aparentam ter menos.
Razão tinha Enver Hoxha, que por via das dúvidas pôs os albaneses em peso a pedais. Na falta de regime tão justo, Portugal debate-se com os ressentimentos decorrentes da desigualdade, os quais levam o milionário do Hyundai a maltratar o pobre que sprinta na contramão e, para cúmulo, a exigir o arranjo do pára-choques. No fundo, é a lengalenga do Brecht, do rio e das margens revisitada. E é a luta de classes em versão Código da Estrada. Certo, certo é que as massas se agitam e a revolução não tarda. Só se atrasou um bocadinho porque de bicicleta as massas demoram a chegar.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

OS JOVENS DE HOJE segundo Sócrates

Hino da Padroeira

O passeio de Santo António