Florença: a Europa tem luz própria
VIRIATO SOROMENHO MARQUES
DN 2014.08.17
Melhor remédio do que o ar puro das montanhas ou a brisa iodada do mar, para curar os corações de europeus destroçados pela miséria intelectual e moral que hoje avassala o Velho Continente, é mergulhar no minúsculo coração de Florença. Num raio de 500 metros, tendo por centro a Piazza della Signoria, está tudo o que impede a existência da Europa de ser considerada um erro divino. A ideia da dignidade humana como autonomia ali se pressente nas ruas habitadas por Pico della Mirandola, por Maquiavel, e antes por Dante. Os riscos de fanatismo, estão assinalados no chão da Piazza, onde a breve teocracia de Savanarola ardeu com o seu criador. Também lá vibra o esplendor da arte em todas as formas. Na escultura, o David (1501), de Miguel Ângelo, o Perseu (1554), de Cellini. Na pintura, a colecção Uffizi, doada pela poderosa família Medici ao povo de Florença, exibe um espólio incalculável, onde brilham Botticelli e Leonardo da Vinci. Subindo a Costa di San Giorgio, deparamos com uma casa onde viveu e trabalhou Galileu, um dos pais fundadores da ciência moderna. Mas o mais terno e frágil símbolo de Florença é El Ponte Vecchio, a mais antiga travessia sobre o Arno, construída em 1345. No dia 3 de agosto de 1944, as tropas alemãs, sob o comando do marechal Kesselring, tentaram atrasar o avanço das colunas blindadas dos aliados. Todas as pontes sobre o Arno foram destruídas. Todas, menos uma. El Ponte Vecchio foi salva, no meio da violenta retirada. Uma recente placa de mármore presta homenagem ao homem que mais contribuiu para salvar esse ícone da alma europeia: chamava-se Gerhard Wolf (1896-1971). Era o cônsul alemão na cidade, desde 1940! Quando a Europa enlouquece, só os homens capazes de heroísmo ético resgatam um ténue fio de esperança para a geração seguinte.
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