Férias roubadas

Inês Teotónio Pereira
ionline 2014.08.09

Qualquer reunião do conselho de administração do BES mau é menos assustadora que a logística e a trabalheira na preparação de uma ida à praia com crianças
Quando se tem filhos deixa de se ter férias. É uma espécie de karma: queres filhos? Então, ficas sem férias durante uns aninhos. As nossas férias são usurpadas no preciso momento em que dá à luz. São mesmo roubadas. Até os nossos filhos crescerem as nossas férias são deles. Apenas deles. O tempo que sobra nas férias para gozarmos verdadeiramente as férias - ou seja, aquele tempo maravilhoso em que eles estão a dormir - estamos de tal maneira cansados que também o gastamos a dormir e a sonhar com a escola e com o silêncio do escritório. Entretanto, somos meros animadores de campos de férias, cozinheiros, nadadores-salvadores e motoristas. Os horários são espartanos porque os bebés e as crianças mais novas não percebem que a manhã também pode servir para dormir. Eles recusam-se a aceitar esta ideia, por mais tarde que se deitem. E deitam-se sempre tarde porque, adivinhem, estão de férias.
Nas férias não temos tempo para nada. O nosso tempo é deles. E o tempo, quando entregue às crianças, torna-se infinito. Uma hora na vida das crianças consegue ser tão estafante quanto a meia maratona percorrida por atalhos, sem percurso definido. Elas têm todas um problema sério que é absolutamente inconciliável com o conceito de férias: não sabem estar paradas. Parar é mesmo um castigo. E quando se cansam, basta descansarem dez minutos para voltarem à acção. E o que é a acção? Correr, trepar, gritar, embirrarem uns com os outros e arriscarem a vida e a integridade física pelo menos duas vezes por dia.
O mais injusto é que nas férias as crianças têm o dobro da energia. Enquanto que durante o período de aulas grande parte dessa energia é gasta nos exercícios de matemática e a decorar conceitos, nas férias o cérebro entra em modo de pausa e não nos ajuda a estafar a criançada. Somos nós, apenas nós, pais cansados de um ano de trabalho de pais e de trabalho remunerado, os responsáveis por divertir, entreter e proporcionar uma boa e descontraída vida aos nossos filhos. Sem pausas. Ler, por exemplo, é um mito. Ler como e quando? O máximo que se consegue ler durante as férias são crónicas tipo esta e enquanto se vai à casa de banho. Toda a literatura que jornais e revistas recomendam é apenas para quem consegue estar mesmo de férias. No meu caso, agradeço que recomendem tudo outra vez em Setembro.
Sim, é verdade que durante as férias vamos à praia, é um facto. Mas o que é uma ida à praia na vida de uns pais de férias? É toda uma empresa antes, durante e depois. Qualquer reunião do conselho de administração do BES mau é menos assustadora e complicada que a logística e a trabalheira na preparação de uma ida à praia com bebés e crianças. Nesta empresa é preciso não descurar os pormenores, ter atenção às horas de sol, arranjar lugar para o carro a uma hora em que os lugares estão todos ocupados por pessoas que vão para a praia sem crianças e manter a calma e a paciência apesar do calor. Qualquer erro, pode tornar a ida à praia num pesadelo. E na praia continua o stresse. O stresse que atinge o seu ponto auge quando alguma das crianças se lembra que quer fazer cocó. Não, ninguém nos preparou para isto. Como é que se faz cocó numa praia?
O pior de tudo é que as crianças acham que durante as férias têm direito a tudo. Acham genuinamente que as obrigações também foram de férias e que só têm direitos. Elas querem divertir-se. Divertir-se muito e muitas vezes. Querem amigos, bolos, gelados, viagens e a ausência total de regras. Ora isto faz com que passemos metade das férias deles a gritar com eles e a outra metade a dizer que não aos milhões de pedidos de bolos, gelados, combinações com amigos e viagens.
Estas férias levei os meus filhos cinco dias ao Minho. Férias em família. Fui várias vezes à serra de Sintra, ao jardim zoológico, a várias praias, ao cinema e mais praia. Mas do que eles gostaram mesmo foi de jantar e de almoçar fora quase todos os dias na viagem ao Minho... E agora têm como objectivo principal comer o gelado mais caro da Olá. Não dou. É este o meu statement das férias.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

OS JOVENS DE HOJE segundo Sócrates

Hino da Padroeira

O passeio de Santo António