Carta aberta ao Doutor Richard Dawkins
First things, 2014.08.23 (traduzido por Pedro Aguiar Pinto)
Caro Doutor Dawkins,
No princípio desta semana, no Twitter, o senhor chamou a atenção para um facto perturbador desconhecido para a maioria das pessoas. Fez notar que no s Estados Unidos e na Europa, a maior parte das crianças concebidas com síndroma de Down são abortadas. Tem razão. Alguns peritos estimam o número em cercada 90%. Outros sugerem que só 65, 70 ou 80% das crianças dom síndroma de Down são abortadas. O número real é provavelmente muito difícil de determinar. O senhor, Dr. Dawkins, tem um palco, uma audiência e de certo modo muito real estou-lhe grato por ter chamado a atenção para a irradiação pré-natal de pessoas com síndroma de Down.
Mas o senhor expôs o seu argumento sobre a ubiquidade do síndroma de Down em prol da defesa de uma asserção terrível. O senhor, Dr. Dawkins, sugeriu no Twitter um imperativo moral de abortar crianças concebidas com o síndroma de Down. Disse que se uma mulher tivesse a escolha de abortar uma criança nessa situação e não o fizesse, estaria a actuar imoralmente. Estou incomodado com isso e, muito honestamente, estou confundido.
Tradicionalmente, o senhor manteve uma posição de neutralidade moral face ao aborto. Afirmou que matar animais com capacidade de experimentar dor, medo e sofrimento tem maior significado moral do que matar fetos: humanos por nascimento, mas sem o tipo de sentiência que lhes dá significância moral. Não está sozinho nessa posição que se tem vindo a tornar de rigueur entre a maior parte do eticistas analíticos contemporâneos.
Eu discordo da sua posição. Há muito tempo concluí que o feto, e, de facto, o zigoto são seres humanos - não desenvolvidos, certamente, mas possuindo a dignidade e os direitos de adultos sentientes.
Apesar da minha discordância, reconheço que tem tentado aplicar o seu ponto de vista com consistência numa gama variedade de situações éticas.
Até esta semana. Esta semana passou de uma apresentação do aborto como um acto moralmente neutro para a asserção de que o aborto de algumas pessoas - pessoas com deficiência genética - é uma bem moral. um imperativo moral, de facto. Não mostrou qualquer base para esta posição. Suspeito que acredita que as pessoas com síndroma de Down sofrem desnecessariamente e causam sofrimento desnecessário aos seus amigos e parentes. E, como princípio geral, acredito que esteja inclinado para obviar o sofrimento humano tanto quanto possível.
O senhor disse frequentemente que quem discordasse de si deveria "ir embora e aprender a pensar". Tentei aprender a pensar, ao longo dos anos, mas talvez seja de certo modo ingénuo. Mas uma das coisas que concluí é que a filosofia ética não pode ser desenvolvida num ambiente esterilizado - que a nossa humanidade, a nossa intuição, a nossa empatai, de facto, deve ser reconhecida como uma fonte de perspectiva ética se queremos pensar bem. Talvez o senhor acredite que a sua posição sobre o aborto e o síndroma de Down seja logicamente válida. Mas eu pergunto-me se se mantém acordado à noite com a repulsa que vem de ser o campião da matança.
O sofrimento não é um mal moral a ser evitado. O sofrimento pode ter significado e valor. Pergunte a Victor Frankl. Ou a Mohandas Gandhi. Ou a Martin Luther King Jr. Ou, se quiser, pergunte aos meus filhos.
Eu tenho dois filhos com síndroma de Down. Eles são adoptados. Os seus pais biológicos foram confrontados com a escolha de os abortarem e não o fizeram. Em vez disso, as crianças vieram viver connosco. São crianças adoráveis. São belas. São felizes. Uma é sobrevivente de um cancro, por duas vezes. Descobri que no hospital, quando fez quimioterapia e nós sofríamos pela agonia e cansaço, a nossa filha, Pia estava mais focada em fazer amizade com as enfermeiras e em roubar estetoscópios. Elas sofrem, as minhas crianças, mas no contexto de uma alegria irreprimível.
Pergunto-me, se o senhor passasse algum tempo com elas, se sentiria da mesma maneira sobre o sofrimento, sobre a felicidade, sobre a dignidade pessoal. Pergunto-me, se dançasse com elas na cozinha, se pensaria que o aborto seria no seu melhor interesse. Pergunto-me, se brincasse com elas se encontraria algum valor na sua existência.
E assim, Dr. Dawkins, gostaria de o convidar para jantar. Venha passar algum tempo com as minhas crianças. Partilhe uma refeição com elas. Antes de advogar a sua morte, venha descobrir o que vale a pena nas suas vidas. Descubra se o sofrimento vale a alegria
Não quero que venha para um debate. Não quero condená-lo. Quero que faça experiência da alegria das crianças com síndroma de Down. Quero que o seu coração se comova de alegria também,
Qualquer dia da próxima semana é bom para nós excepto Quarta-feira
Os meus melhores cumprimentos
JD Flynn
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