A morte. Da terra ao céu

José Luís Nunes Martins
ionline, 2014.08.02

Importa viver aceitando os riscos, mas gerindo as possibilidades, que são sempre muitas… só a morte não é uma possibilidade – é o fim das possibilidades.
Vivo as mortes dos outros, temo a minha. Mas mais intimidante do que a morte é o morrer. Um processo que se imagina sempre lento, sofrido e consciente. Só as crianças têm medo de estar mortas, condição que acreditam ser um estado de permanente abandono: escuridão, silêncio e solidão. Já nós, os adultos, deixamos de nos preocupar com o que vem depois, de tão centrados que estamos na passagem, ou melhor, no tempo que antecede a passagem…
Só a morte dos outros é um evento na minha vida, assim também a minha só o será nas vidas dos que me sobreviverem.
A aventura da vida é muito mais do que o tímido, fútil e cobarde instinto de autopreservação, importa reconhecer e viver a vida tal como é: preciosa; e reconhecermo-nos e aceitarmo-nos tal como somos: frágeis. A vida é este pedaço de infinito que temos nas mãos. Isto que nos ultrapassa por completo mas do qual fazemos parte. Uma parte importante. Se não fossemos essenciais, não estaríamos aqui.
Ninguém pode viver a minha vida – nem morrer a minha morte. Somos sós, mas podemos deixar de o ser, se nos entregarmos. Se decidirmos amar.
É muito estranho que nos pareça que temos sempre muito a dizer a quem parte, e que o tempo antes da sua partida seja sempre tão pouco. Até porque, na verdade, o que temos a dizer é sempre pouco e o tempo será, quase sempre, mais do que o suficiente. É certo que partimos a horas diferentes… uns antes, outros depois, mas quanto à hora e às estações de chegada… ninguém tem certezas!
Essa sombra que nos persegue mesmo por onde não há luz… este deserto de silêncio que soa a vazio … pode afinal ser algo que não podemos entender, por enquanto. Como se agora fosse apenas tempo de viver, e depois (só depois) então hora de compreender. Tudo.
A natureza deste mundo é finita, esta nossa vida é um projeto limitado no tempo.
Podemos e devemos adiar o inevitável. Mas a realidade não é linear: amanhã não estaremos mais próximo da morte do que estamos hoje. É o que faço que me aproxima ou me distancia. Se ao conduzir um automóvel decido carregar a fundo no acelerador e seguir a alta velocidade, estou a colocar-me mais perto… se opto por seguir com serenidade e em segurança, estarei a afastar-me! Depende muito de mim. Ninguém tem a vida contada à partida.
Importa viver aceitando os riscos, mas gerindo as possibilidades, que são sempre muitas… só a morte não é uma possibilidade – é o fim das possibilidades.
Eu posso ser este caminho: das raízes aos frutos; da terra ao céu; da lama às estrelas… Do finito ao infinito… mas só o serei se me decidir a sê-lo, se me erguer, se levantar os braços, se sonhar alto… se chegar a ser capaz de criar com as minhas próprias mãos o caminho para o céu.
Sei que vou morrer. Sei-o com a inteligência e estou a aprendê-lo com o coração. Sei que a morte me separa de alguns que amo, não sei deles com a inteligência, há dias em que os sinto com o meu coração… vivem aqui, comigo, na minha vida, bem dentro de mim; mas também há noites em sinto que já lá estou, longe… Onde eles me esperam.

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