Divórcio não, obrigado


Eduardo Sá, Pais&Filhos, 3-07.2014
A separação exige sempre melhores pais. São muitos os momentos de mágoa. Esperar que seja um tribunal a mediar cada um desses momentos é judicializar a parentalidade.

1. Tenho dito que talvez haja três tipos de relações de casal. As mais frequentes serão amizades coloridas. As outras, 'contas de poupança-reforma'. E haverá, ainda, uma esmagadora minoria de uniões de facto (por dentro) que, entre todas, serão aquelas que melhor se aproximam da ideia de casamento.
Se a complexidade de uma relação amorosa se torna, tantas vezes, tão difícil de gerir, os descuidos e os desamparos cumulativos que pode gerar tornam-na dolorosa. Será em consequência dessas dores (que se enovelam) que as pessoas se vão afastando, por dentro, devagarinho. E quando uma delas o assume (em função de um período de sofrimento pessoal que a interpela, ou em consequência da comparação entre os pequenos gestos que alguém lhe disponibiliza no local de trabalho, por exemplo, e as rotinas entediantes do casamento) não é justo que a outra se declare, diante de um apelo à verdade, 'apanhada de surpresa'. Ou que eleja um vilão que, supostamente, tenha inquinado um grande amor. Na verdade, todos os divórcios se dão por mútuo consentimento.
São as pessoas que mais contribuem para um divórcio que mais se foram sentindo credoras do consentimento a dar num acordo de divórcio (sendo as pensões de alimentos ou as contrapartidas patrimoniais o 'dote de alforria' com que se negociava a assinatura do divórcio e, pior, a partilha das responsabilidades parentais sobre os filhos desse casal).
Aliás, era absurdo, como foi acontecendo nalgumas circunstâncias, que um dos elementos do casal, que pretendia divorciar-se, tivesse de fazer prova da culpa do outro como se só os factos irrefutáveis parecessem prevalecer sobre os vínculos amorosos que terão definhado e morrido numa relação.
2. Tudo seria mais simples se as pessoas, ao afastarem-se por dentro, pudessem mobilizar a maturidade que as desligasse por fora. Mas porque foram acumulando ressentimentos, como se foram descuidando aos mais diversos níveis e como se foram enredando em compromissos intermináveis (que, ao mesmo tempo, as prendem e as desligam), muitas separações transformam-se em divórcios que, por mais que pareçam por comum acordo, não deixam de ser mais ou menos litigiosos. Mais, ainda, quando se partilham bens e se divide a parentalidade em relação a algumas crianças.
3. Dos 47857 casamentos que, em 2006, se deram em Portugal, 20,6 por cento correspondem a pessoas divorciadas que voltaram a casar, embora no mesmo ano se tenham decretado 23935 divórcios (6 por cento dos quais litigiosos quando, em 1980, a percentagem de litigiosidade foi de 38 por cento). Haverá, portanto, cada vez mais divórcios embora isso talvez não corresponda ao modo como o casamento parece estar a cair em descrédito.
4. Será razoável que as pessoas se divorciem? É. Porquê? Porque entre estarem divorciadas por dentro e casadas por fora, e divorciadas por fora e ligadas por dentro, a segunda hipótese as protegerá mais a elas e aos seus filhos. Poder-se-á afirmar – como dizem alguns – que uma resposta judicial mais ágil e mais simples poderá ser benevolente para com os impulsos para o divórcio de muitas pessoas? Não. Porque se um casal privilegia o divórcio impulsivo a tudo o que, supostamente, o liga talvez nunca tenha estado casado por dentro, por mais que do ponto de vista do direito não seja assim.
É sensato, ainda, que as compensações financeiras de um dos membros do casal em relação ao outro sejam temporizadas e justas? Claro. Não será razoável que as pensões de alimentos ao ex-cônjugue se eternizem e, muito menos, que algumas representem formas de usufruir de ganhos que mais parecem modos de exploração (a pretexto das crianças) por parte de um dos pais em relação ao outro. Se os pais assumem a parentalidade devem reunir recursos para a viabilizarem. Já quando violam as responsabilidades judiciais que, livremente, assumem (seja em relação às prestações monetárias como aos compromissos para com os seus filhos) e, depois, reclamam os seus direitos de pais, devem merecer penalizações (que, finalmente, parecem estar a ser ponderadas, contrariando a total impunidade com que muitos pais foram injuriando os direitos dos seus filhos e a ideia de um bem-comum, condensado na lei).
5. A separação exige sempre melhores pais. Porque introduz níveis de complexidade crescente numa relação e porque são muitos os momentos escorregadios em que todos se podem magoar. Esperar que seja um tribunal a mediar cada um desses momentos é judicializar a prentalidade. Isto é, assumir que só se consegue ser pai ou mãe sob a tutela de um juiz, o que devia merecer, de imediato, que os filhos desse casal fossem considerados em perigo. Perigo maior, aliás, que se dá quando (em vez de se separarem) se divorciam por dentro e por fora. Nessas circunstâncias, um divórcio faz mal, de forma irreparável, a uma criança. Não pela facilidade com que os pais se divorciam. Mas pela falta de qualidades para a parentalidade que um divórcio judicial, simplesmente, aviva. Daí que, ponderando sobre esse exemplo, me pareça que devíamos dizer: "Divórcio não! Obrigado…".

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