A democracia é possível!
António Barreto
DN 2015.11.22

Já lá vão sete semanas e ainda não temos governo. Virá em breve. E será aquele que deve ser e é provável, o dos socialistas com apoio da extrema-esquerda. Esta demora absurda não tem uma razão justa nem sequer a certeza dos procedimentos tranquilos que devem fundamentar a democracia. A culpa destes atrasos reside em causas remotas, na tradição burocrática, na desconfiança que reina na política portuguesa, no receio que todos têm do despotismo dos outros, na inclinação de cada um para o comportamento tirânico e na falta de história democrática. Mas a culpa do atraso também reside em causas imediatas, nos comportamentos dos políticos que temos, na imperícia do Presidente da República, na voracidade do PS, no oportunismo do PCP, na amoralidade do BE, no parasitismo do PSD e no medo do CDS-PP.
Por culpa dos que precedem, talvez Portugal nunca tenha estado, em democracia, tão dividido como hoje. Partidos, classes sociais e instituições. Não há pontes nem vias de diálogo, só berraria. Os partidos não procuram o confronto, mas sim a guerra. Assistir a uma sessão parlamentar, das bancadas ou na televisão, é confrangedor, entristece quem tenha atracção pela urbanidade democrática. Percebe-se que nada daquilo ajudará o país. Há dois pesos e duas medidas: o que "nós" queremos é sempre bom, verdadeiro e justo, o que "eles" desejam é sempre errado, corrupto e falso. Os critérios supremos, naquele hemiciclo teatral, são as relações de força, acima da lei, acima da moral e acima do costume. Nestas condições, a democracia é difícil.
Os políticos de esquerda acusam o Presidente de intruso e de lacaio da direita. Acusam-no impunemente de inconstitucionalidade. A esquerda acusa a direita de ilegitimidade e nada acontece. A direita acusa a esquerda de comportamento ilícito e nada acontece. Os partidos usam uma linguagem crispada, com intenção de difamar e excluir. Descrentes na autenticidade das suas ideias, os deputados só argumentam com a ilegitimidade e a ilegalidade, o que repetem como araras. Os partidos nunca reconhecem as diferenças entre uns e outros, acusam-se simplesmente de ilegítimos e intrusos. Ora, o actual governo pode não ter condições políticas, mas ilegítimo não é. O próximo governo pode não prestar, mas ilegítimo não é. O Presidente da República pode já não ter condições políticas para uma acção de relevo, mas intruso e ilegítimo não é.
A democracia tem limites. Os da lei. E os da moral. Mas também tem obstáculos e factores favoráveis. O analfabetismo é um obstáculo. Como é a falta de experiência. Ou a formação intelectual das elites. Quanto às condições favoráveis, é indiscutível que o desenvolvimento económico ou o grau de cultura ajudam, assim como uma Justiça competente. Até um sentido de cortesia e de decência ajuda. Em Portugal, a democracia é possível. Talvez até provável. Desde que se removam obstáculos e se cultivem os factores favoráveis. Se as elites... Se o desenvolvimento económico... Se a União Europeia... Se os partidos políticos... Se a Justiça... Se os grupos económicos... Se a Igreja... Se os sindicatos... Se... A democracia será possível. Difícil, mas possível.
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