Razões da violência
João César das Neves
DN 20151125
O problema principal da violência, e em especial da terrorista, está nas suas razões. Por que motivo alguém comete barbaridades suicidas como as do avião russo no passado dia 31 ou em Paris a 13? A resposta, antes de mais, exige algo que, apesar de óbvio, costuma ficar omisso: sendo actos humanos, esses horrores têm sempre razões que os justificam. Tratá-los como acções loucas e arbitrárias, portanto irracionais, é enorme tolice. Mesmo psicopatas e fanáticos têm os seus motivos e lógica, muitas vezes rígidos. Só compreendendo-os se entende o problema.
Neste caso a justificação é explícita: os ataques terroristas são resposta a agressões. Por muito que repudiemos os seus actos, não há dúvida de que os terroristas têm razão: os países que atingiram estão a agredi-los, e de uma forma muito mais devastadora. Iraque e Síria estão a ferro e fogo. Mas por que razão a Rússia e o Ocidente intervêm no Médio Oriente? Por causa de ataques terroristas anteriores, que por sua vez foram motivados por agressões prévias.
As crianças, quando lutam no recreio ou com irmãos, invocam a mesma justificação: "Foi ele que começou." Pode ser verdade ou mentira mas, como todos os pais e professores sabem, independentemente da razão, a lógica é maligna. Um começou, o outro continuou, todos perderam. Esta é a maldade da violência: as suas razões são verdadeiras e perversas.
Não se tome isto como infantilidade. Os governos russo e francês já se preparam para nova agressão ao Estado Islâmico, tendo como justificação os recentes ataques, o que fará avançar mais um passo a espiral da violência. Como a França pediu a ajuda aos parceiros europeus, invocando o artigo 42.7 do Tratado de Lisboa, uma estreia história, também Portugal estará formalmente envolvido neste combate.
A escalada, como todas, costuma ser imparável. É bom lembrar que a principal justificação do derrube de ditadores como Saddam do Iraque ou Kadhafi da Líbia foi eles promoverem o terrorismo. Esse era o argumento que levou os países ocidentais a aplaudir, ou mesmo a impulsionar directamente a sua queda. Desde que desapareceram, não só o terrorismo não se reduziu, mas aumentou muito mais. Também a morte de Osama bin Laden em 2011 não acabou com a Al- -Qaeda, acrescentando-lhe outras formações ainda mais bárbaras e cruéis. Estas considerações usam o ponto de vista ocidental, mas invertendo a perspectiva o agravamento mantém-se. O 11 de Setembro não reduziu, antes aumentou, as agressões que pretendia castigar, como estes novos ataques também o farão. A espiral, precisamente por ser espiral, é cada vez maior.
Olhando para as motivações concretas dos envolvidos vemos a mesma perversa racionalidade. Os assassinos directos perderam a vida no ataque, e sabiam que a iam perder. Os seus motivos só podiam ser uma recompensa no Além, recebida por matar infiéis. Este elemento transcendente agrava muito a questão. A ambição de uma recompensa eterna pela violência praticada é a motivação mais drástica e difícil de erradicar. Mas será o Paraíso islâmico, como o Valhala nórdico, um reino de delícias para assassinos e suicidas? As interpretações dividem-se quanto a este ponto, como noutros. Se essa fosse a versão dominante, todos os muçulmanos seriam terroristas, o que é evidentemente falso. Pelo contrário, o Corão apresenta Alá como um Deus de paz, como o da Bíblia. Por isso a esmagadora maioria dos crentes são pessoas cordatas e ordeiras. Mas, como infelizmente o islão não tem um Papa, isso permite os comportamentos desumanos, de que o próprio islão é a principal vítima.
A motivação daqueles que recrutaram, promoveram e organizaram os ataques é muito diferente e mais mundana. Aí, por muito que repugne, encontramos a mesma atitude dos generais que planeiam e executam ataques ocidentais nas guerras do Médio Oriente. Todos eles querem defender os seus povos e usam os meios que lhes parecem mais eficazes. São eles a causa da espiral, que aumenta o problema.
Então como se acaba com o terrorismo? A resposta é difícil, mas algo é evidente: os meios usados até agora só pioram tudo. O que se tem conseguido é promover ataques ainda mais violentos, seja de forças militares ou de bombistas isolados, gerando caos e raiva. Agora a gigantesca crise de refugiados criará todo o tipo de novos problemas. Há cem anos as forças e as questões em confronto eram muito diferentes, mas havia uma espiral que se desenrolou até à destruição mútua. Hoje, apesar da ONU, múltiplos tratados e organizações, estamos a percorrer um caminho paralelo.
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