A nova utopia
Miguel Monjardino
Expresso 20151121
O medo e a incerteza reinaram nas semanas seguintes ao 11 de Setembro. O que era a Al -Qaeda? Quem era Osama bin Laden? Quais eram os seus objetivos? Um dos maiores receios na altura era um ataque químico ou biológico. Uma loja de mascaras de gás em Londres vendeu 700 em poucos dias. Cem foram compradas por pessoas que trabalhavam nos prédios mais altos da City. Uma comprou a máscara e um paraquedas. A primeira página do “Diário de Notícias” de 4 de novembro dizia — “Bioterrorismo. Portugal Indefeso.” A Al-Qaeda parecia invencível. Olhando para trás, vemos uma coisa surpreendente — o 11 de Setembro foi um choque estratégico mas não mudou a ordem internacional.
Bin Laden está morto. A Al-Qaeda é uma sombra do que foi. Mas o medo regressou a 13 de novembro, em Paris. Para a geração que tem menos de 25 anos, a Europa é cada vez mais perigosa. O problema é que isto não é verdade. Quem conheça a História sabe que, apesar da guerra no leste da Ucrânia, das divergências com a Rússia, das tensões internas na zona euro e da pressão criada pelos refugiados do Médio Oriente, o Velho Continente ainda vive tempos pacíficos. Portugal, por exemplo, é um dos países mais seguros do mundo.
Estamos na fase da histeria. Somos fracos. Os nossos inimigos são fortíssimos. Isto é patético e mostra a verdadeira dimensão do nosso desarmamento moral e intelectual. O objetivo do terrorismo é semear o pânico e minar a nossa vontade política. Um dos paradoxos da nossa idade digital é destruir a nossa memória histórica numa avalanche constante de informação. Isto torna mais fácil a manipulação das emoções sociais. É por isso que estamos na fase do choque e pavor.
Como devemos então olhar então para o 13 de novembro? Sobretudo como uma oportunidade para finalmente começarmos a compreender o que é realmente o Daesh. Mas isto não é fácil para nós. O grupo de revolucionários sunitas é uma utopia religiosa. Para a compreendermos temos de perceber a interpretação que o Daesh faz do Islão e as suas consequências ideológicas. O problema é que a Europa está cheia de pessoas que acreditam que a religião e a ideologia foram abolidas pelo progresso secular. A violência tem sempre outras causas.
Mas como explicar então o assassínio indiscriminado de civis numa cidade governada por Anne Hidalgo, uma socialista neta de emigrantes republicanos espanhóis, bairros cosmopolitas que votam nos Verdes e alvos multiculturais como o Estádio de França? Será que o Daesh se enganou ao atacar alvos progressistas?
É claro que não. Nós é que temos tido muita dificuldade em compreender uma organização apocalíptica que aposta no colapso das civilizações para regressar ao século VII e recriar um novo califado em contínua expansão que conduza o Islão à glória e à salvação. Para as sociedades europeias e muitos muçulmanos isto é uma fantasia. Mas para o Daesh não é. Como todos os verdadeiros revolucionários, estão dispostos a tudo para criar esta utopia. Enquanto recusarmos perceber a sua teologia seremos como os cegos a discutir o arco-íris. A continuarmos assim, os erros de avaliação estratégica prometem ser graves.
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