O antes e o depois
João Marques de Almeida
Observador 29/11/2015
Até às eleições de 4 de Outubro, a economia estava a crescer e o desemprego a diminuir. O governo socialista promete mais crescimento e diminuição do desemprego mais rápida. Fico à espera de ver.
Na política, há um tempo para lutar e há um momento para aceitar as derrotas. A direita perdeu e agora deve aceitar a derrota. Foi uma derrota amarga e muito difícil de aceitar (sou de direita, por isso sei do que falo). Primeiro, quatro anos no poder a impor medidas de austeridade, negociadas por um governo socialista. Depois, apesar de toda a insatisfação no país, a coligação de direita conseguiu ganhar as eleições. Mesmo assim, não foi capaz de formar governo porque perdeu a maioria absoluta. Como muitos outros, também penso que o governo goza de uma legitimidade política fraca, mas chegou ao poder de uma forma absolutamente constitucional. Não se pode falar em “golpe de Estado”.
A partir de agora, entrámos em território político desconhecido. Não se sabe o que vai acontecer. O governo poderá cair durante o próximo ano, como poderá aguentar dois, três ou até quatro anos. Os partidos de direita cometeriam um erro se vissem nas próximas eleições uma oportunidade de vingança pelo que aconteceu durante o último mês. Quando houver eleições, os portugueses julgarão António Costa pelo que fez como primeiro-ministro, e não pelos truques usados para chegar ao poder. Por isso mesmo, é absolutamente necessário registar as propostas do governo socialista. Elas terão que ser julgadas pelos portugueses. Além disso, a subida ao poder deste governo resulta de mudanças profundas na política portuguesa. Pela primeira vez na história da democracia portuguesa, o PCP e o BE apoiam um governo. Pela primeira vez na história da democracia portuguesa, o PM e o seu partido perderam as eleições. Ou seja, há um antes e um depois de 4 de Outubro.
O primeiro ponto a sublinhar é a viragem à esquerda do PS. De Mário Soares a José Sócrates, o PS ocupou o centro da política portuguesa, distinguindo-se claramente dos partidos à sua esquerda e à sua direita. A primeira dessas distinções desapareceu. A inclusão do PCP e do BE no “arco da governação” – e foi o PS que os incluiu – significa uma aproximação entre eles. O PS quer convencer os portugueses que o PCP e o BE tornaram-se partidos moderados, tendo abandonado os radicalismos do PREC. Há, no entanto, muitos que acham que foi o PS que se radicalizou. O tempo demonstrará quem está certo. Se o governo durar toda a legislatura, Costa está certo em relação à moderação do PCP e do BE. Se não durar, e tivermos eleições antecipadas, cometeu um erro de avaliação sobre a natureza do PCP e do BE. Uma coisa é certa: se o governo cair, Costa não poderá acusar a direita. Tem uma maioria parlamentar. Se falhar, a culpa será dessa maioria.
Já apareceram pessoas a dizer que este governo é de “centro”, e que “não tem nada de esquerda.” Estão errados e o erro resulta de se concentrarem nas pessoas que formam o governo. É um ponto secundário. Por exemplo, não me interessa que Centeno se tenha doutorado em Harvard ou que tenha assumidos posições liberais no passado. O que interessa foi que chegou a acordo em relação a políticas financeiras com o PCP e com o BE. Não é necessário pensar muito para se concluir que um governo minoritário, que necessita de acordos com o PCP e com o BE para governar, é de esquerda. A não ser que nos queiram convencer que o PCP e o BE são partidos de centro. O governo de Costa é o governo mais à esquerda da história de democracia portuguesa. E estou certo de que o PS, o PCP e o BE concordam com esta avaliação. Aliás, não o escondem.
É, de resto, positivo que assumam a natureza de esquerda do governo. Os portugueses vão, finalmente, avaliar o que faz um governo de esquerda. Este governo de esquerda prometeu aos portugueses que acabará com a “austeridade” sem comprometer a disciplina fiscal. O PS está empenhado em demonstrar que a “austeridade” foi uma escolha ideológica do PSD e do CDS e que o país pode gozar de contas públicas saudáveis sem “austeridade”. Se o governo for capaz de aumentar a despesa pública, mantendo a défice abaixo dos 3%, cumprirá o que prometeu e terá sucesso. Mais, terá razão nas críticas que fez ao anterior governo. Se pelo contrário, o aumento da despesa pública levar ao aumento do défice ou se o governo continuar com as mesmas políticas de “austeridade”, então errou ou enganou os portugueses. E não vale a pena tentar desculpar-se com “buracos financeiros” do governo anterior. Todos os portugueses sabem que o país está melhor em 2015 do que estava em 2011. Ou seja, o ponto de partida para Costa é bem melhor do que foi para Passos e Portas.
Os socialistas (e os seus aliados de esquerda) também acusam o governo do PSD e do CDS de ter empobrecido o país. Prometem mais crescimento económico (mais de 2% a partir de 2017), diminuição do desemprego e mais exportações. Mais uma vez, o tempo dirá se o governo de esquerda consegue fazer melhor do que o governo de direita. Até às eleições de 4 de Outubro, a economia estava a crescer e o desemprego a diminuir. O governo socialista promete mais crescimento e diminuição do desemprego mais rápida.
Pelo modo extraordinário como chegou ao poder e devido à gravidade da situação nacional, este governo estará permanentemente sob escrutínio. Pela parte que me toca, fico à espera do seguinte (e faço uma lista para não me esquecer):
– Legislatura para quatro anos;
– Fim da austeridade e respeito pelas regras da União Monetária, incluindo o défice abaixo dos 3%;
– Mais crescimento económico e maior rapidez na diminuição do desemprego.
Se o governo conseguir isto, o país ficará agradecido e a direita estava errada. Se não conseguir, espero que os portugueses retirem as devidas conclusões sobre um governo de esquerda (e sobre a viragem à esquerda do PS).
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