Os bons somos nós

Miguel Angel Belloso
DN 2015.11.20

Na passada segunda-feira, a Câmara de Córdova, uma das principais cidades da Andaluzia, organizou um minuto de silêncio em honra das vítimas da matança de Paris. Mas, pouco depois, sem solução de continuidade, a vereadora do Podemos - a esquerda radical espanhola - na câmara convocou outro minuto adicional pelas vítimas dos bombardeamentos franceses na Síria. Não ficou sozinha. Foi secundada pelos vereadores do Partido Socialista e pelos da Esquerda Unida - os comunistas de toda a vida -, que com tal manifestação quiseram salientar não só que não há distinção entre a violência que uns e outros praticam, como também que estávamos a pedir o que aconteceu em Paris; que é uma resposta lógica aos nossos atos prévios, da mesma maneira que os atentados de 11 de março de 2004 em Madrid foram a reação justa à colaboração espanhola na invasão do Iraque. O próprio Pablo Iglesias, o secretário-geral do Podemos, renunciou a juntar-se ao pacto antijihadista subscrito pelo partido Popular e pelo Partido Socialista alegando que não é hora de vingança e que não devemos sacrificar o regime de liberdade de que usufruímos. Estou de acordo com as duas afirmações. O problema é que o nosso regime de liberdade é o que dá uma cobertura inconveniente àqueles que o querem destruir, e que, por consequência, devemos mostrar uma determinação clara para o defender assumindo os custos correspondentes. Não é hora de vingança, mas é hora de atuar contundentemente para conservar os valores que nos fizeram grandes. Sem piedade. Sem compaixão.
A esquerda tem um enorme problema de critério sobre o valor e o alcance dos nossos princípios. Depois do 11 de março em Madrid, o inenarrável Zapatero, que substituiu Aznar no governo, precisamente como consequência dos atentados, teve a ideia estúpida de promover na ONU uma Aliança das Civilizações, que naturalmente teve um percurso curto, mas que nos fez cair no ridículo na cena internacional. Jamais poderá haver uma aliança entre a civilização ocidental - presidida pela democracia, o império da lei, a divisão de poderes, a transparência, a prestação de contas, a igualdade e todas as liberdades que o sistema traz consigo - e outra civilização como a que gira em torno do islão, que é presidida pela teocracia e uma série de costumes repugnantes para a nossa mentalidade, mas que temos consentido que sejam praticados nos nossos países de acolhimento. Inclusive, dito assim, esta diferença seria uma questão menor se não fosse por haver dentro do islão cada vez mais adeptos dos objetivos do Estado Islâmico, que passam não só por derrubar os próprios governantes apóstatas (ou seja, não fundamentalistas), tomar o poder e restabelecer o califado baseado na sharia, como também lutar pelo domínio mundial, como na era das cruzadas, derrotando o Ocidente. Querem matar-nos. Indiscriminadamente.
Somos objeto do ódio islamita, mas não pela invasão do Iraque, pela guerra da Síria ou pelo conflito palestiniano, mas sim porque somos simplesmente a encarnação do hedonismo, da permissividade e do materialismo ateu. É possível que tudo isto seja infelizmente verdade, mas não é razão para aceitarmos passivamente que nos liquidem. Aqueles que perpetraram o massacre de Paris com o grito de "Alá é grande" não suportam que numa sexta-feira à noite as pessoas se divirtam nas discotecas ouvindo um concerto de rock e bebendo uns copos, nem que jantem despreocupadamente num restaurante e, menos que ninguém, os muçulmanos de segunda e terceira geração que vivem entre nós e que, apesar dos enormes esforços realizados, desfrutando de todas as vantagens e direitos do sistema, foram incapazes de se adaptar socialmente.
Diz o historiador Robert Kagan que uma Europa amolecida por sete décadas de paz e de Estado social nega-se a reconhecer que estamos em guerra e, portanto, interpreta a violência islamita como uma resposta racional aos supostos agravos infligidos pelo Ocidente. Podem ter a certeza de que quando atacaram as Torres Gémeas, o Sr. Iglesias e uma boa parte da esquerda mundial pensou que os americanos estavam a pedi-lo por causa do seu imperialismo, ainda que, na realidade, os Estados Unidos tenham salvado milhões de muçulmanos nos anos 1990, por exemplo protegendo a distribuição de ajuda humanitária na Somália ou bombardeando os sérvios que estavam prestes a completar uma limpeza étnica anti-islâmica na Bósnia. Para uma boa parte da esquerda, quando explodiram os comboios de Atocha em Madrid e o metro de Londres, os verdadeiros culpados foram Aznar e Blair e, é também assim que devem ser entendidos os esfaqueamentos de judeus em Jerusalém, porque, como muitos pensam equivocadamente, Israel roubou o território aos palestinos, quando a verdade é que em 1947 os judeus aceitaram a divisão decretada pela ONU, que foi recusada pelos árabes. E agora não são poucos os esquerdistas que pensam que os atentados de Paris poderiam ter sido evitados se não tivesse ocorrido a Hollande intervir na Síria. Como escreveu há tempo Pascal Bruckner, "O Ocidente será culpado por toda a eternidade. É-lhe proibido julgar ou combater outros regimes, outras religiões. Os nossos crimes passados obrigam-nos a manter a boca fechada. O nosso único direito é o silêncio."
Mas esta maneira de conceber a história e de enfrentar os acontecimentos é criminosa. Devemos reivindicar a superioridade moral dos nossos valores. E para atuar devemos estar firmemente convencidos de que somos os bons. Seria absurdo, por exemplo, negar a ligação do jihadismo com o islão alegando que este é uma religião de paz. O Corão contém dezenas de alusões à jihad, é uma religião que se expandiu historicamente pela espada e que leva muitos anos a demonstrar que a maior parte dos conflitos bélicos que aconteceram desde 1990 ocorreram ou em território muçulmano (contra os apóstatas não fundamentalistas) ou no seu perímetro. Dada a proporção crescente de muçulmanos na Europa, simplesmente passámos a fazer parte desse perímetro.
A maioria dos que chegaram à Europa não procuram outra coisa que não o bem-estar e os direitos que não têm nas sociedades islâmicas falidas. Mas outros - e cada vez mais -, que nem se adaptaram nem demonstram interesse em fazê-lo, estão dispostos a causar o maior dano possível, entre eles alguns dos que agora procuram asilo fugindo da Síria. Não tenho as soluções do que fazer para enfrentar o desafio. Mas que há que deter o crescimento da população muçulmana na Europa é evidente. Também é evidente que há que exigir uma proclamação clara, até agora ausente, do islão que habita entre nós contra a violência e o terror. Finalmente, há que adotar todas as medidas de força necessárias no terreno para liquidar o Estado Islâmico. Como isto implica incorrer em custos e riscos até agora evitados, será necessário perguntar à esquerda, que é um obstáculo importante para travar esta guerra, de que lado está.

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