São Teodoro e o “Sínodo do adultério”

Posted: 01 Sep 2015 01:30 AM PDT
São Teodoro Studita, mosaico do século XI,
mosteiro de Nea Moni, em Chios, Grécia.
Roberto de Mattei
(1948 - )
professor de História italiano,
especializado nas ideias
religiosas e políticas no
pós-Concilio Vaticano II. 



Com o nome de assembleia de bispos que no século IX quis aprovar a prática do segundo casamento após o repúdio da esposa legítima.

São Teodoro Studita (759-826) foi um dos que mais vigorosamente se lhe opuseram, sendo por isso perseguido, preso e exilado três vezes.

Tudo começou em janeiro de 795, quando o imperador romano do Oriente (basileus) Constantino VI (771-797) encerrou sua esposa Maria de Armenia em um convento e iniciou uma união ilícita com Teodota, dama de honra de sua mãe Irene.

Poucos meses depois, o imperador fez proclamar Teodota “augusta”, mas não tendo conseguido convencer o patriarca Tarasius (730-806) a celebrar o novo casamento, encontrou finalmente um ministro complacente no hegúmeno José, abade do mosteiro de Kathara, na ilha de Itaca, que abençoou oficialmente a união adúltera.

Nascido em Constantinopla no ano de 759, São Teodoro era então monge no mosteiro de Sakkudion, na Bitinia, cujo abade era seu tio Platão, também venerado como santo.

O injusto divórcio produziu – informa ele numa carta – uma profunda comoção em todo o povo cristão: concussus est mundus (... Ep II, n 181, PG, 99, coll 1559-1560CD), o que o levou a protestar energicamente com São Platão em nome da indissolubilidade do vínculo.

O imperador deve ser considerado adúltero – escreveu – e, portanto, o hegúmeno José deve ser considerado gravemente culposo, por ter abençoado adúlteros e os ter admitido à Eucaristia. “Coroando o adultério” o hegúmeno José se opôs ao ensinamento de Cristo e violou a Lei de Deus, asseverou (Ep. I, 32, PG 99, coll. 1015 / 1061C).

Para Teodoro, também o patriarca Tarasius deveria ser condenado, pois embora não tivesse endossado o novo casamento, havia se mostrado tolerante, evitando excomungar o imperador e punir o padre José.

Essa atitude era típica de um setor da Igreja do Oriente, que proclamava a indissolubilidade do matrimônio, mas na prática mostrava uma certa submissão em relação ao poder imperial, semeando confusão nas pessoas e provocando o protesto dos católicos mais fervorosos.

Baseando-se nos escritos de São Basílio, Teodoro alegou o direito dos súditos de denunciar os erros do próprio superior (Epist. I, n. 5, PG, 99, coll. 923-924, 925-926D), e os  monges de Sakkudion romperam a comunhão com o patriarca, por sua cumplicidade com o divórcio do imperador.

Estourou assim a chamada “questão moicheiana” (de moicheia = adultério), que colocou Teodoro em conflito não só com o governo imperial, mas com os próprios patriarcas de Constantinopla.

Constantino VI e sua mãe Irene. Moeda de ouro, anos 780-790.
Constantino VI e sua mãe Irene. Moeda de ouro, anos 780-790.
Este é um episódio pouco conhecido, sobre o qual o Prof. Dante Gemmiti levantou o véu alguns anos atrás, numa cuidadosa reconstrução histórica baseada em fontes gregas e latinas (Teodoro Studite e la questioni moicheiana, LER, Marigliano 1993), confirmando como no primeiro milênio a disciplina eclesiástica da Igreja do Oriente ainda respeitava o princípio da indissolubilidade do casamento.

Em setembro de 796, Platão e Teodoro foram presos com certo número de monges do Sakkudion, internados e depois exilados a Tessalônica, aonde chegaram em 25 de março 797.

Em Constantinopla, no entanto, o povo julgava Constantino um pecador que continuava a dar escândalo público e, alentado pelo exemplo de Platão e Teodoro, aumentava sua oposição a cada dia.

O exílio durou pouco porque, na sequência de uma conspiração de palácio, o jovem Constantino foi cegado pela mãe, que assumiu sozinha o governo do império. Irene chamou de volta os exilados, que mudaram para o mosteiro urbano de Studios, juntamente com a maioria da comunidade de monges de Sakkudion.

Teodoro e Platão se reconciliaram com o patriarca Tarasio que, após a chegada de Irene ao poder, havia condenado publicamente Constantino e o hegúmeno José pelo divórcio imperial.

O reinado de Irene foi breve. Em 31 de outubro de 802, um de seus ministros, Nicéforo, depois de uma revolta palaciana, proclamou-se imperador. Pouco depois, quando morreu Tarasio, o novo basileus fez eleger Patriarca de Constantinopla um alto oficial imperial também chamado Nicéforo (758-828).

Em um sínodo convocado e presidido por ele, em meados do ano 806, Nicéforo reintegrou em seu ofício o hegúmeno José, deposto por Tarasio.

Teodoro, que se tornara chefe da comunidade monástica de Studios após Platão se retirar para a vida de recluso, protestou energicamente contra a reabilitação do hegúmeno José, e quando este último recomeçou a exercer o ministério sacerdotal, rompeu a comunhão com o novo patriarca.

A reação não tardou. Studios foi ocupado militarmente, Platão, Teodoro e seu irmão José, Arcebispo de Tessalônica, foram presos, condenados e exilados.

Em 808 o imperador convocou outro sínodo, que se reuniu em janeiro de 809. Foi essa assembléia sinodal que, em uma carta de 809 ao monge Arsênio, Teodoro definiu como “moechosynodus”, ou seja, o “Sínodo do adultério” (Ep. I, . 38, PG 99, coll. 1041-1042c).

O Sínodo dos Bispos reconheceu a legitimidade do segundo casamento de Constantino, confirmou a reabilitação do hegúmeno José e anatematizou Teodoro, Platão e seu irmão José, que foi deposto de seu cargo de Arcebispo de Tessalônica.

São Teodoro Studita, ícone escola bizantina.
São Teodoro Studita, ícone escola bizantina.
Para justificar o divórcio do imperador, o Sínodo utilizava o princípio da “economia dos santos” (tolerância na práxis). Mas para Teodoro nenhum motivo podia justificar a transgressão de uma lei divina.

Baseado nos ensinamentos de São Basílio, de São Gregório Nazianzeno e de São João Crisóstomo, ele declarou privada de fundamento bíblico a disciplina da “economia dos santos”, segundo a qual em algumas circunstâncias se podia fazer o mal em nome da tolerância para um mal menor – como neste caso do casamento adúltero do imperador.

Poucos anos depois, na guerra contra os búlgaros (25 de Julho 811), morreu o imperador Nicéforo, subindo ao trono outro funcionário imperial, Miguel I.

O novo basileus chamou Teodoro de volta do exílio, tornando-o um de seus mais escutados conselheiros. Mas a paz durou pouco.

No verão de 813, os búlgaros infligiram uma gravíssima derrota a Miguel I em Adrianópolis, e o exército proclamou imperador o chefe dos anatólios, Leão V, conhecido como “o Armênio” (775-820).

Quando Leão depôs o patriarca Nicéforo e condenou o culto às imagens, Teodoro assumiu a liderança da resistência contra a iconoclastia.

Teodoro de fato se destacou na História da Igreja não somente como adversário do “Sínodo do adultério”, mas também como um dos grandes defensores das imagens sagradas durante a segunda fase da crise iconoclasta.

Assim, no Domingo de Ramos de 815, foi possível assistir a uma procissão dos mil monges de Studios dentro de seu mosteiro, mas bem visíveis, portando os ícones sagrados e cantando solenes aclamações em sua honra.

A procissão, contudo, provocou a reação da polícia. Entre 815 e 821, Teodoro foi açoitado, preso e exilado em vários lugares da Ásia Menor.

Finalmente pôde voltar a Constantinopla, mas não ao seu próprio mosteiro. Então ele se estabeleceu com seus monges no outro lado do Bósforo, em Prinkipo, onde morreu em 11 de novembro 826.

“non licet” (Mt 14, 3-11) que São João Batista opôs ao tetrarca Herodes pelo seu adultério, soou várias vezes na História da Igreja.

São Teodoro Studita, um simples religioso que ousou desafiar o poder imperial e as hierarquias eclesiásticas da época, pode ser considerado um dos patronos celestes daqueles que, ainda hoje, em face das ameaças de mudança da prática católica sobre o casamento, têm a coragem de repetir um inflexível non licet.

(Fonte: Corrispondenza Romana, 26 de agosto 2015) 

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