Depois do debate

ALBERTO GONÇALVES
DN 20150913

Ao longo da quarta-feira, as televisões trataram o programa do serão como tratam os desafios de futebol, incluindo (juro) os indispensáveis inquéritos a transeuntes sobre os "prognósticos" para o jogo, perdão, o debate. Só faltaram as célebres filmagens dos autocarros a caminho do estádio, perdão, do estúdio, de modo a envolver o espectador em pleno ambiente da bola. Não faltou o intervalo. Não faltou a flash interview. E não faltou António Costa, que à semelhança dos comentadores do ramo se fingiu frequentemente indignado, puxou de bonitos papéis e recorreu ao truque mais infantil das discussões do género: o não-vale-a-pena-exaltar-se, sobretudo quando Pedro Passos Coelho praticamente adormecera, é um artifício que só não envergonha os fanáticos.
E os fanáticos, ou os convertidos à partida, não têm vergonha nenhuma. Mal terminou o debate, correram a decretar a estrondosa vitória do Dr. Costa com o alívio de quem começava a perder a esperança nas "legislativas". Não é por acaso: durante hora e meia, o Tsipras indígena (a comparação é do Telegraph de Londres) conseguiu desfiar as suas extraordinárias patranhas quase sem contraditório do adversário, o qual, não sei se o referi, estava a dormir. Ao Dr. Passos Coelho, cujas limitações não são pequenas, bastava deixar claro o absurdo que é um destacado cúmplice da bancarrota regressar com promessas de novo desastre. Ou lembrar que a portentosa "gestão" da Câmara de Lisboa, salva à custa do Estado, é no mínimo uma mentira cabeluda. O resto ficaria por conta do próprio Dr. Costa, que louva imenso a "lusofonia" e fala um português assaz carenciado.
Contas feitas, o debate suscitou dois mistérios e um avanço civilizacional. O primeiro mistério é a apatia do Dr. Passos Coelho, que sempre possui meia dúzia de indicadores económicos amáveis, se bem que precários, para atirar ao currículo socialista de miséria e fraude. O segundo mistério é o facto de as desconchavadas lendas do menoríssimo Dr. Costa ainda convencerem muitos cidadãos que não os cidadãos que dele esperam uma nomeação, um emprego, um pratinho na extremidade da mesa do poder. O mérito do debate passa por José Sócrates.
No país invertido que habitamos, houve jornais e analistas que atribuíram ao ex-primeiro-ministro a grande vitória da noite. Falharam por pouco: José Sócrates foi evidentemente o maior derrotado. Viram o que eu vi? O Dr. Passos Coelho ocupou metade do tempo a associar, com legitimidade, o Dr. Costa ao "engenheiro". O Dr. Costa ocupou a metade restante a negar, sem legitimidade, as acusações. E não resistiu a uma graçola que no fundo achincalha menos o destinatário do que o sujeito: "Porque é que não vai lá a casa debater com ele? Tem tantas saudades..." Aliás, depois do debate, diversas "personalidades" socialistas - e conhecidos devotos "socráticos" - aderiram ao folguedo e usaram a insistência em José Sócrates para tentar diminuir o Dr. Passos Coelho. Na verdade, as chalaças plantadas nas ditas "redes sociais" diminuem José Sócrates, que devagarinho alcançou o prestígio da peçonha. Noventa minutos televisivos pareceram sugerir o que nove meses de cadeia e anos de trapalhadas prometiam: a morte política de um homem abaixo de qualquer suspeita. Veremos.
Por enquanto, vemos o Dr. Costa, que José Sócrates abomina em privado e "apoia" em público, dispor de um futuro radioso a trocar argumentos por conversa fiada no Tempo Extra, na Quadratura do Círculo, no Trio de Ataque ou em qualquer outro desses debates futebolísticos. Ou, se Deus Nosso Senhor for excessivamente sarcástico, no cargo de primeiro-ministro. Com sorte, já terá havido pior. E não é preciso citar o nome.

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