Emigrar já não é o drama que era: uma realidade matizada e um debate desnecessariamente emotivo
ALFREDO MARVÃO PEREIRA Público 13/09/2015
Portugal é um país de emigrantes que vive agora mais uma vaga de emigração. Segundo as estatísticas oficiais dos países de acolhimento, entre 2011 e 2014 terão emigrado cerca de 400 mil portugueses, ou seja uma média de cerca de 100 mil pessoas por ano. Obviamente que esta nova vaga de emigração deve ser objeto de reflexão e debate nacionais. Contudo, o tom do discurso em Portugal é, na minha perspetiva, desnecessariamente emotivo porque dá a ideia (errada!) de que emigrar é uma experiência inequivocamente negativa quer para o emigrante, quer para o país. É também um debate excessivamente estreito porque se distorce o nosso historial de emigração e se ignora o contexto internacional.
Este discurso desnecessariamente emotivo baseia-se em memórias e narrativas que refletem uma experiência histórica muitas vezes traumática e dramática da emigração portuguesa. Por exemplo, só na década antes de 1974 saíram de Portugal cerca de dois milhões de pessoas. Muitos destes emigraram para fora do espaço Europeu – para o Brasil, para a Venezuela, e para os Estados Unidos. Outros tantos emigraram ilegalmente, em particular para a Europa, sendo a França o caso mais paradigmático. Na maioria dos casos, eram emigrantes com baixas qualificações profissionais e com enormes barreiras, quer linguísticas quer culturais. Muitas vezes, iam à aventura, sem saber exatamente onde iriam viver ou no que iriam trabalhar. Naturalmente, nestas condições, emigravam sozinhos e sem família. Na esperança de vir a construir um futuro melhor para si e para os seus, muitos se sujeitaram a condições de trabalho e de vida bem difíceis, e a um isolamento e a uma solidão psicologicamente devastadoras.
Estas memórias e narrativas do passado, aplicadas à nova vaga de emigração, conduzem-nos a um discurso totalmente desajustado da realidade contemporânea. De facto, hoje em dia a emigração é maioritariamente legal e centra-se na Europa – tem destinos como o Reino Unido, a Suíça, a Alemanha, a vizinha Espanha e o Luxemburgo. É uma emigração composta no geral por pessoas de qualificações acima da média. As diferenças linguísticas e culturais são muito menos significativas do que já foram no passado. Em muitos casos, os emigrantes vão com destino e emprego garantidos. Em muitos casos, levam também a família. Mais ainda, as distâncias encurtaram-se muito significativamente num mundo que é muito mais globalizado e tecnologicamente avançado do que aquele que existia há quarenta anos. Vivemos na era da Internet em que a comunicação e a informação fluem com toda a facilidade. Longe vai o tempo em que um emigrante podia estar meses sem saber da família ou do país. Vivemos hoje numa era em que o transporte aéreo chega a quase todo o lado e há muitos voos low cost. Longe vai o tempo em que o emigrante podia estar anos sem vir a Portugal. O isolamento, a solidão e as saudades de casa são agora mais fáceis de matar. Emigrar hoje é bem menos oneroso e dramático, atrevo-me a dizer, do que era para as gerações passadas vir da ‘província’ para viver e trabalhar na ‘cidade’.
A nossa emigração sempre foi e continua a ser na sua essência uma busca por uma oportunidade de emprego. Mas proporciona também um rasgar de novos horizontes pessoais e profissionais. O contacto com outras culturas é precioso. O potencial para o enriquecimento profissional é grande. De um ponto de vista social permite perceber distintamente o que de bom temos no país, e o que verdadeiramente importa na nossa vida. Se, por um lado, é verdade que esta busca de mais e melhores oportunidades não deixa de ter custos pessoais, o ponto é que hoje o equilíbrio entre os custos e os benefícios para o emigrante é muito diferente do que era no passado. E por isso mesmo, emigrar hoje já não é o drama que era, e está muito longe de ser uma experiência inequivocamente negativa para o emigrante.
O impacto económico da emigração para o país é uma questão complexa, e não é este o contexto para o discutir em detalhe. Mas vale a pena mencionar alguns efeitos positivos. A emigração de desempregados não só permite uma maior folga no mercado de trabalho para os trabalhadores residentes, como alivia também a despesa com subsídios de desemprego, melhorando assim no curto prazo o estado das finanças públicas. As comunidades de emigrantes e os seus ‘networks’ informais são também uma importante base de apoio para a internacionalização da economia portuguesa e o consequente fomento das exportações. Por outro lado, as remessas dos trabalhadores emigrantes são uma forma cada vez mais importante para financiar o país, e para assim ajudar a reequilibrar um pouco as contas externas. Finalmente, os emigrantes que regressam voltam com um capital humano enriquecido. Não se trata de dizer que a emigração é boa para o país. É sempre uma perca de recursos localmente formados e no médio e longo prazo agrava o desequilíbrio entre a população inactiva e a população activa, com importantes efeitos negativos em termos da sustentabilidade dos sistemas públicos de pensões. O objetivo aqui é transmitir a ideia que a emigração nos dias de hoje está muito longe de ser uma experiência inequivocamente negativa para o país.
Além da questão dos efeitos da emigração para o emigrante e para o país, há também no debate uma preocupante ausência de contexto. Desde logo, esta vaga de emigração não começou em 2011 com o resgate e o programa de assistência que se seguiu. É, isso sim, o continuar e o acentuar de uma tendência iniciada no início deste século. Nessa primeira década – um período marcado pela estagnação da nossa economia – emigraram cerca de 700 mil portugueses, ou seja a um ritmo médio de 70 mil portugueses por ano. Portanto, a ‘nova’ vaga de emigração não é assim tão nova, e não é algo que resulte exclusivamente, nem mesmo maioritariamente, da crise atual vivida a partir de 2011. Ao ritmo da década de 2000, entre 2011 e 2014 teriam emigrado 280 mil portugueses em vez dos 400 mil – i.e., menos 120 mil do que o que se verificou efetivamente. Esta é a verdadeira medida dos efeitos da crise.
Finalmente, e ainda em termos do contexto, esta nova vaga de emigração está longe de ser um fenómeno exclusivamente português. Processos similares têm ocorrido desde o início do novo milénio em Espanha, Irlanda, Itália e Grécia, tradicionais países de emigração. E aqui é importante perceber o contexto europeu em que esta nova vaga de emigração tem lugar. Emigrar, ou seja, sair do país de origem é um direito (quase) universal. Mas imigrar, ou seja entrar num qualquer país de destino, está muito longe de o ser. Muitos países impõem limites à imigração, e reconhecem que esta pode criar enormes tensões nos seus mercados de trabalho e sistemas de proteção social, e pode representar uma pressão inaceitável sobre os seus recursos domésticos. A nova vaga de emigração na Europa surge, assim, como uma ilustração das potencialidades do Mercado Único Europeu criado em 1993 e é também uma manifestação inequívoca da solidariedade no seio da UE. A maciça emigração ilegal portuguesa dos anos sessenta e setenta, ou mesmo a atual discussão sobre os refugiados na UE ilustram bem este ponto, por contraste.
Para concluir. Claro que existem sempre custos associados a deixar o lugar onde nascemos e fomos criados. Claro que existem sempre perdas para o país de origem ao emigramos. Contudo, uma apreciação da nova vaga de emigração requer uma visão ponderada e equilibrada sobre as suas características, as suas implicações para o país, e o seu enquadramento na Europa de hoje. Só assim podem ser maximizadas as suas potencialidades para o emigrante e para o país. Só assim podem ser efetivamente abordados os problemas subjacentes e facilitar o eventual retorno dos que entretanto emigraram.
Thomas Vaughn Professor of Economics, The College of William and Mary
Nota: O autor deste artigo de opinião emigrou para os EUA em 1982.
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