O que fica do que passa
RR online 21 Set, 2015 • Eunice Lourenço
Encerrados os debates, a campanha eleitoral percorre o país. Mas é bom parar e avaliar o que ficou dos debates e os indícios que dão ou não para o futuro.

Começou. Finalmente. Oficialmente. A campanha eleitoral que, na verdade, há semanas está em marcha, teve o seu início oficial este domingo. São 13 dias de quilómetros, arruadas, comícios, almoços de carne assada, jantares de carne assada, beijinhos, bandeiras, bombos, ataques, contra-ataques, acções e reacções, que envolvem milhares de pessoas e chegam a milhões através e notícias, reportagens, jornais, rádios, televisões e redes sociais.
Tudo acaba à meia-noite de dia 2 para que, a 3, todos possamos reflectir e decidir. Como se fosse preciso e possível ouvir tudo, ver tudo para em 24 horas de silêncio tomar uma decisão sobre o futuro de um país. Por isso, importa ir parando e avaliando o que fica do que passa. E o que já passou e marcou foram os debates entre os líderes, que trouxeram esclarecimentos sobre alianças, possibilidades e impossibilidades de consensos e em que Catarina Martins foi a revelação e a Segurança Social o tema mais presente.
Catarina Martins- Jerónimo de Sousa
Foi o primeiro debate e não foi bem um debate entre o Bloco e o PCP, foi mais um comício de ambos contra o Governo e contra o PS. Sem se atacarem directamente, Jerónimo e Catarina preferiram mostrar o que os une – a defesa da renegociação da divida e controlo público de sectores e empresas estratégicas – e mostrar as suas diferenças para com o programa socialista.
No mesmo dia, António Costa afirmara que tinha de acabar o tempo em que a esquerda ajudava a derrubar governos socialistas. Este debate mostrou que esse tempo pode acabar, mas que ainda não chegou o tempo de o PCP e o Bloco de Esquerda viabilizarem governos do PS ou sequer garantirem uma base parlamentar de apoio à governação. Catarina e Jerónimo mostraram que pode estar ao lado do PS nas chamadas questões fracturantes, como o aborto ou o casamento entre pessoas do mesmo sexo, mas isso não chega para governar um país.
Catarina Martins – Paulo Portas
Foi um dos debates mais vivos, mas menos esclarecedores. Catarina Martins quis, sobretudo, falar das promessas do CDS em 2011, quando era o partido dos contribuintes e dos pensionistas, e das diferenças para o que fez em quatro anos de Governo. Portas contra-atacou com o Syriza e a Grécia para tentar descredibilizar o Bloco e falou mais do programa eleitoral do PS do que do programa da coligação.
Portas perdeu a paciência com as insinuações do Bloco sobre “negociatas” nas concessões de empresas de transportes e mandou-a fazer queixas ao Ministério Público.
Passos Coelho – António Costa (televisões)
Sócrates, Sócrates, Sócrates – Passos Coelho insistiu em levar o ex-primeiro-ministro para o primeiro frente-a-frente com António Costa. E acabou por proporcionar ao actual líder socialista o seu ‘grito de Ipiranga’ ao dizer a Passos que se tem saudades de Sócrates, o vá visitar e debater com ele.
Com uma primeira parte equilibrada e uma segunda parte em que António Costa levou vantagem, este debate foi pouco debatido, ou seja, devido ao modelo, houve pouco diálogo e muita conversa sobre o passado, como culpas trocadas sobre quem chamou a troika, quem quis mais austeridade, quem vai criar mais emprego.
Passos Coelho acusou António Costa de querer um "milagre das rosas" para o país e o líder socialista acusou Passos de não ter um verdadeiro programa e de esconder as contas na manga.
Catarina Martins – Passos Coelho
Foi talvez o debate mais esclarecedor, sobretudo em questões de Segurança Social. Passos Coelho disse que o plafonamento – o estabelecimento de tectos máximos para as pensões e contribuições – só será feito para rendimentos acima dos 2500 ou três mil euros, mas assumiu que essa medida não será suficiente para resolver o problema da sustentabilidade do sistema. Catarina Martins recusou o plafonamento e defendeu a proposta do Bloco de tributação dos lucros das empresas, que Passos não rejeitou por completo.
Sobre renegociação da dívida, ficou claro que não se entendem, tal como não se entendem sobre o caso BES. Passos Coelho reafirmou que os contribuintes não vão pagar por este caso, mas a porta-voz do Bloco de Esquerda considerou que o Governo não aprendeu com os erros do passado, ao contrário do Bloco que tem feito propostas para que os casos não se repitam.
Catarina Martins- António Costa
O que separa no Bloco do Governo – Segurança Social e dívida pública -, também separou Catarina Martins de António Costa neste debate, mas por razões diferentes. Pelo menos no que diz respeito à Segurança Social.
Todos concordam com a necessidade de diversificar as fontes de financiamento, mas para o BE isso deve ser feito através de um novo imposto sobre os lucros das empresas e para o PS através de uma parte da receita do IRC. Além disso, o Bloco rejeita liminarmente duas ideias fundamentais para o PS: a redução das contribuições (TSU) durante quatro anos e o congelamento das pensões durante igual período.
António Costa, por seu lado, recusou a ideia central para o programa do Bloco de renegociação da dívida. Ainda assim, na declaração final, Catarina Martins anunciou que está disponível para conversar com o líder do PS a 5 de Outubro se o PS aceitar que a renegociação é inevitável.
António Costa – Jerónimo de Sousa
Foi o debate mais entediante. António Costa já estaria a pensar no frente-a-frente do dia seguinte com Passos e Jerónimo de Sousa foi debitando a sua cassete. Ficou claro que, como disse o líder socialista, há “uma divergência de fundo”: o PCP quer uma saída do euro, para o PS nem pensar e Costa até disse que é por isso mesmo que, se vencer, não acabará com a sobretaxa de uma vez.
O debate acabou com o líder comunista a recusar um ou dois lugares num governo PS, já depois de avisar que “gato escaldado de água fria tem medo”, referindo-se à falta de confiança em várias propostas do PS, nomeadamente em matéria fiscal e laboral.
Passos Coelho – António Costa (rádios)
Foi um belo debate. Com um momento fatal para António Costa - não responder onde vai cortar mil milhões de euros em prestações sociais não contributivas -, um compromisso de Passos Coelho - não voltar a mexer nas leis laborais - e um momento de dura verdade do primeiro-ministro: não vê condições para baixar IVA nos próximos anos.
Passos Coelho insistiu com António Costa para se sentarem a discutir o futuro da Segurança Social e, mais uma vez, o líder do PS não aceitou. Há um ponto nessa reforma em que ambos convergem – a necessidade de fontes alternativas de financiamento -, mas depois divergem em trocas de acusações sobre quem vai cortar, o quanto e em que prestações.
Heloísa Apolónia – Paulo Portas
Passos delegou em Portas, Jerónimo fez-se substituir por Heloísa e assim nasceu um frente-a-frente inédito, mas que faz bem à democracia e ao debate político. Discutiram ideologias e totalitarismos, história da Europa, concepções do papel do Estado, mas também emprego e privatizações.
Paulo Portas disse que a nacionalização de sectores estratégicos defendidas pela CDU (PCP e PEV) custariam 28 mil milhões, Heloísa acusou o Governo de levar 500 mil portugueses à emigração, Portas contrapôs com 200 mil. E não resistiu à piada, dizendo que o PEV é “verde por fora e vermelho por dentro”.
Conclusões:
António Costa não quer sentar-se à mesa com Passos. Jerónimo e Catarina até dizem que aceitam sentar-se à mesa com Costa, mas colocam condições inaceitáveis para o PS. Todos concordam que é preciso encontrar novas formas de financiar a Segurança Social, mas divergem na fonte desse financiamento. A esquerda não aceita o plafonamento das pensões e contribuições proposto pela coligação e a esquerda à esquerda do PS não aceita o corte nas contribuições e o congelamento das pensões previstos no programa socialista.
PS e coligação estão unidos na defesa de Portugal no euro e na recusa da renegociação da dívida, que é o eixo dos programas da CDU e do Bloco. A esquerda toda só se entende na revogação da última alteração à lei do aborto e no fim das limitações à adopção e à procriação medicamente assistida.
Como o que está em causa é governar um país, se não houver maioria absoluta, está-se mesmo a ver quem é que terá de se sentar com quem...
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