Escolher

Maria João Avillez
Observador, 2015.09.29

Fui-me espantando de vez para vez, não era este político que tinha na cabeça quando tudo isto começou, em Maio de 2015, no jardim da Ribeira das Naus. Que esquisito. Tanto nevoeiro que entrou.

“Está a entrar o nevoeiro” dizia alguém há dias, sentado na esplanada duma praia do norte, com a mesma certeza com que diria ao amigo, “olha, vem ali o Manel”. Sabia que o dia se estragara de vez. O nevoeiro no PS também entrou de vez, dando-lhes cabo dos dias.

Os socialistas, coisa extraordinária, sempre acharam que tudo lhes seria fácil, era deixar passar o tempo e cortariam a meta em primeiro lugar. E não era até tão “barato”? Bastar-lhes-ia dizer mal de tudo, do governo, da governação, das medidas, da “direita”, da troika, e claro, de Passos Coelho, o bombo da festa sem direito a uma só folga (de bombo); tão entretidos andavam neste “malhar em tudo” que também malharam no país, sem reparar que há portugueses que estranham ou se envergonham, não gostam disso. Deram-se ao luxo de exibir os Galambas deste mundo como estrelas alumiadoras do caminho, porque o “centrão” já era deles (e com quem havia o centro de estar nesta altura das coisas, perguntavam eles, senão com o PS?) E finalmente tão seguros se encontravam das suas equivocadas certezas que se distraíram de país: Portugal coincide pouco e encaixa mal naquele “país” que o PS vitupera aos gritos (porquê sempre aos gritos?) feito quase exclusivamente de desemprego, infelicidade e fome. Não repararam que não era. Enredados no tédio – ainda faltava mais de um ano – e no nojo – da coligação –, perderam de vista Portugal.
O PS não compreendeu que o país – uma grande parte dele, pelo menos – não gostou da austeridade, mas cumpriu-a, engolindo “sacrifícios” e penas, por perceber que não havia volta a dar-lhe.
O PS não viu (mas os portugueses viram) que devagarinho se está a sair do pior da crise, mesmo que só do pior. Sucessivos índices económicos dão aparentemente razão ao governo, quando (sem gritar) sustenta que já há frutos da sementeira atirada ao tão árido solo português de 2011 (e quem dava um chavo por aquela terra e aquele chão?).
O PS não alcançou que se há colheitas que prometem hoje melhores dias para amanhã, isso foi obviamente feito com a colaboração dos portugueses e não por um solitário governo, maldosamente a caminhar “para além da troika.”
Distraídos de país e enganados de estratégia, não houve “diferença”, um factor politicamente crucial, como se sabe. Os socialistas contentaram-se em achar que a “diferença” eram eles, e que isso chegava. Bastava-lhes deitar ácido sulfúrico sobre a coligação e pronto.
Faltou essa indispensável “diferença”, traduzida na esperança de uma mudança para melhor. Isso que, muito mal comparado, trouxe consigo Obama quando, portador de todas as esperanças e diferenças, entrou vibrantemente no palco de Washington (e imaginem que sempre gostei de Costa e nunca de Obama, é assim a vida).
Lembro-me de Francisco Sá Carneiro e de Cavaco Silva a fazerem isso, eu estava lá. Vi, in loco e ao vivo, a capacidade de produzir esse indefinível ímpeto interior capaz de arrebatar um eleitor, acordar um “instalado”, ou retirar um indeciso da sua ilha deserta. Não tenho visto António Costa a ser capaz de nada disto. (E porque anda ele tão só? Para onde foi o PS?)
Anda por aí, nos “mentideros” mais politizados ou informados, um debate e não ocioso: Costa já era “este” político que agora nos entra casa dentro aos saltos ou… o que é que (lhe) aconteceu?
Note-se que a pergunta é a favor do líder do PS, ninguém a faria a propósito de um qualquer Marinho Pinto, ou perderia tempo com um político de segunda.
Como indiscutivelmente pertenço ao grupo do “o que é que lhe aconteceu?”, tenho pasmado com tanto erro no diagnóstico e tão pouco recomendáveis terapias. A escassos metros e minutos do desfecho do seu combate decisivo, insisto: “o que é que lhe aconteceu”?
Talvez muito simplesmente isto: é de outra geração política, tem ideias feitas, segue padrões velhos, usa instrumentos políticos (e pessoas!) datadas, recorre a manhas que não interessam a um eleitorado que passou o Cabo das Tormentas, nem interpelam um país que está a mudar de cultura, mesmo que quase imperceptivelmente.
Cometendo o imperdoável erro político de se achar por antecipação o dono do eleitorado central, abriu as janelas à esquerda da esquerda, começando logo por extraordinariamente marcar presença no Congresso do “Livre” no Outono de 2014. E depois, em Janeiro de 2015, por irresponsavelmente perder a cabeça com a vitória do Syriza, exibindo publicamente o seu júbilo de adolescente. E depois por anunciar vetos a Orçamentos desconhecidos e recusas a acordos políticos por definir. Fui-me espantando de vez para vez, não era este político que tinha na cabeça quando tudo isto começou, em Maio de 2015, no jardim da Ribeira das Naus.
Que esquisito. Tanto nevoeiro que entrou.
Se a este estado de coisas juntarmos a terrível crise da social-democracia tão penalizada recentemente, sem discurso, sem espaço, sem pontos cardeais e à procura de uma saída de socorro, concluir-se-á que resta pouco folêgo a esta família portuguesa, socialista e desunida.
Quer dizer que o PS já perdeu as eleições? Não. Quero apenas dizer que o nevoeiro estacionou, baixo, espesso, sobre o partido. Mas até às 18 horas e cinquenta e nove minutos do dia 4 de outubro, tudo é possível porque estamos a falar de política. O que eu quero dizer, isso sim, é que quem disse (aos socialistas) que era fácil ganhar estas eleições (e com que prosápia se comportaram!) se enganou com estrépito e alarde.
Escolher não é uma brincadeira de crianças. Tudo isto torna o progresso e o sucesso de Costa muito difíceis. Ele agravou as dificuldades, entrando em cena pela esquerda alta – quando é ao centro que as eleições se ganham.

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