Austeridade moral na pré-campanha eleitoral

P. Gonçalo Portocarrero de Almada | Observador 19/9/2015

Não é moralmente aceitável que uma candidata ao parlamento exiba publicamente a sua gravidez. Não é a sua pessoa que está em causa, mas o alcance ético dessa provocação.
A austeridade é terrível. Não o sabia até que disso me apercebi pela reincidente exposição de Joana Amaral Dias, estrela errática da esquerda portuguesa – ex-deputada do Bloco de Esquerda, ex-mandatária do Dr. Mário Soares, activista do “Juntos Podemos”, actual cabeça-de-lista pelo PTP/Agir – tal qual veio ao mundo, embora mais crescidinha. Não foi o aquecimento global, nem as temperaturas estivais, que este ano nem sequer foram muito altas, que a despiram do preconceito burguês, mas a maldita austeridade, de que o país tanto padece. A maléfica política neoliberal que, em tempos que já lá vão, deixou a ditosa pátria de tanga, reduziu a candidata, em vésperas de campanha eleitoral, à mais confrangedora e minimalista expressão.
É razoável que uma candidata a deputada divulgue, por motivos de saúde que não interessa especificar, a sua indisponibilidade para participar activamente no processo eleitoral – desde que esclareça que, depois, estará apta para assumir as responsabilidades que lhe sejam conferidas pelo voto – mas já não parece lógico, nem moralmente aceitável, que exiba publicamente a sua despudorada gravidez. Não é a sua pessoa que está em causa – honi soit qui mal y pense! – mas o alcance ético dessa sua provocação, ainda por cima repetida. Uma atitude típica das vampes que, nas manchetes das revistas sociais, muito gostam de evidenciar as suas escaldantes paixões ‘secretas’, para depois se queixarem, em pungentes declarações, da devassa da sua intimidade, que elas próprias, com a cumplicidade de certa imprensa, foram as primeiras a violar.
Até já há quem divulgue fotos exclusivas do parto, com um sensacionalismo que não envergonharia nenhuma mulher pública, pois quem publica o que deveria ser do mais recatado âmbito privado, não merece mais púdica adjectivação. É pena que as feministas, tão justamente atentas a tudo o que fere a sua sensibilidade, não se lembrem de denunciar estes atentados contra a dignidade das mulheres.
Quando a reputada ex-deputada, cuja honorabilidade obviamente não se questiona, anunciou a gestação, deu a conhecer que, segundo prognóstico médico, a mesma era de risco e, portanto, incapacitante de qualquer actividade partidária. Não de risco para ela, que se expõe com teimosa insistência aos flashes dos fotógrafos, nem para o ser nela concebido, protegido pelo aconchego das entranhas maternais, mas para nós, pobres cidadãos eleitores que, à conta dos discursos a que fomos poupados pelo seu estado interessante, sofremos agora o ataque das suas fotografias brutais, em poses que até aos mais insensíveis incomodam. À candidata eleitoral há que recordar que, dado também o prematuro arrefecimento outonal, mais do que agir, é tempo de se vestir.
É seu timbre usar o próprio corpo para comunicar com os eleitores: em tempos, fê-lo escrevendo na sua pele slogans como “o corpo é meu” e “nesta barriga mando eu”. Esta ‘política do ventre’, que recorda a homónima dança, é, sem dúvida, uma forma original de fazer campanha eleitoral, mas que desfavorece os candidatos masculinos.
Agora, a protuberante barriga apareceu grafitada com um aviso à navegação: “É menina! Oxalá seja mulher com liberdade”. Não sei se este insólito anúncio cumpre apenas o louvável propósito de informar os familiares e amigos, para que prefiram o cor-de-rosa nos presentes para o enxoval, ou se, pelo contrário, é para conhecimento do país em geral que, como é óbvio, neste tempo de pré-campanha eleitoral, não tem temas mais interessantes a debater. Seja como for, é incoerente.
Com efeito, sendo a feliz mãe da petiz, como se disse, uma aguerrida defensora da ‘interrupção voluntária da gravidez’ – foi até activista do “Movimento Voto Sim” ao aborto – deveria dizer que o que está no seu ventre é apenas um zigoto, um embrião, um aglomerado de células sem personalidade, uma massa tumoral ou um mero apêndice do corpo materno. Mas não, pelos vistos estes generosos conceitos só se aplicam às outras grávidas, porque a própria, por artes que a razão não logra compreender, concebeu uma “menina”!
Mas … disse “menina”?! Então não deveria achar que isso de meninos e meninas já passou à história, graças à moderníssima ideologia de género?! Não é das que afirmam que a distinção dos sexos está ultrapassada?! Afinal, para ela e para os seus correligionários, é o corpo que decide a identidade sexual ou, pelo contrário, a libérrima vontade de cada qual?! Como pode afirmar que é “menina” e será “mulher” se, segundo essa sua ideologia, tal corpo em gestação pode muito bem vir a ser o de um futuro macho, quiçá jogador de rugby ou cabo de forcados de Vila Franca de Xira?! Se assim acontecer, já pensou na vergonha dele quando, dentro de vinte anos, no estádio ou na arena, lhe lembrarem que a mãe lhe chamou “menina”?! Ou será que isto da ideologia de género é apenas para exportação, e não para consumo interno?!
“Oxalá seja mulher com liberdade”. A referência a Alá – “Oxalá” é a contracção da expressão árabe “in shaa Allaah”, que significa “se Deus quiser” – talvez não seja o melhor augúrio para a sua liberdade, à conta de como são tratadas as mulheres em alguns países muçulmanos; mas esta invocação, apesar de religiosa, é muito politicamente correcta, o que não aconteceria se tivesse sido formulada em termos cristãos.
Não obstante a indigência moral deste caso, é uma muito feliz ocorrência nesta pré-campanha eleitoral, porque a vinda ao mundo de uma criança é sempre uma óptima notícia: parabéns! Também à mãe, a quem em boa parte se deve que esta gravidez, ao contrário de tantas que foram voluntariamente ‘interrompidas’, chegue, em sua hora, a bom termo. Estou certo de que esta criança será, como a sua progenitora, uma “mulher com liberdade”. Mas faço votos para que seja também uma mulher com responsabilidade e a dignidade de quem se sabe imagem e semelhança de Deus.

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