Sobre ideologias

Inês Teotónio Pereira, ionline, 2015.09.26
As pessoas, assim como os meus filhos se fartaram da Play Station, também se fartaram dos políticos
Os meus filhos perguntam-me o que é ser de direita ou de esquerda. Normalmente respondo que a esquerda é assim como eles, gasta dinheiro e acredita no Pai Natal, e que a direita é assim como eu, ganha o dinheiro para eles gastarem e não acredita no Pai Natal. Uma explicação simples que mantém a ordem doméstica. Eles, compreensivelmente, não querem ser de direita – adoram gastar. Sabem que um dia, quando tiverem de pagar contas e de comprar presentes de Natal para os filhos em vez de ficarem especados a olhar para chaminé à espera que o pai Natal desça de lá, serão de direita. Mas até lá são confortavelmente de esquerda. 
Em vésperas de eleições estas questões agudizam-se. E todos os dias vejo os meus filhos aparecerem na televisão: quando abro a televisão ou ouço rádio, são os meus filhos que ali estão. A gritar, a argumentar, a refilar e a exigir. O debate político não é político é infantil. De um lado estão eles, a queixarem-se dos cortes, da vida, dos cortes, do futuro e dos cortes; e do outro lado estou eu, a explicar que tem de se poupar porque o dinheiro não cresce das árvores, que tem de se pagar as dívidas antes de comprar brinquedos novos, que é preciso estudar para sermos donos e senhores do nosso futuro e que se são tivermos as continhas bem feitas ninguém nos abre uma rampa no super-mercado. 
Pois é por isto, por esta experiencia doméstica, que posso dizer com propriedade que as ideologias estão crise. Não há ideologias, há contas para pagar. Ou seja, foram séculos a escrever livros e teorias sobre modelos sociais, direitos fundamentais, organização política, ideologias, vá, para se chegar ao século XXI e aquilo que domina o debate político são cortes. Cortes. Não há palavras. E Montesquieu, e Marx, os gregos e a democracia, onde estão? Não estão. O que interessa aqui é quem corta onde e quem diz que não corta. O que se fala é de dinheiro, ponto. Como é que ele aparece, não interessa, quais os mecanismos para melhor o distribuir, ninguém quer saber, como fazer com que tenhamos mais, também é uma questão menor. O que interessa são os cortes. A questão é por isso pragmática: que governo nos vai dar mais dinheiro? É assim como uma questão que agita de tempos em tempos os meus filhos: qual é o tio que me vai dar o melhor presente de anos? O tio que é brincalhão, que tem um carro muita giro, namoradas muita giras, mas não trabalha e deve milhares aos pais? Ou o tio chato que anda num modesto Opel Corsa, trabalha que se farta e só fala de coisas sérias? Não há nada de ideológico nisto. 
As únicas excepções a esta dualidade são os “outros”, ou seja, as “coisas novas”. Toda a gente acha que devia aparecer “uma coisa nova” porque “são sempre os mesmos”. Ou seja, é preciso um “abanão”. Qual? Não se sabe. Um governo de girafas? Não se sabe. Uma coisa assim exótica? Talvez. O que interessa é que seja novo. As pessoas, assim como os meus filhos se fartaram da Play Station, também se fartaram dos políticos. Dos que cortam e dos que endividaram o país como se não houvesse amanhã. Por isso, a dita coisa nova, talvez seja uma solução. Ora, se percebo esta crise de ideologias porque, como reza o povo, as ideologias não pagam contas, já não percebo a teoria das coisas novas. O que são coisas novas? Pois, fui falar com os meus filhos para esclarecer a questão: “Filhos, acham que deviam aparecer outros políticos ou acabar com os políticos e substitui-los, por exemplo, por futebolistas ou engenheiros químicos?”. A resposta foi obviamente política: “Era giro, pelo menos era uma coisa nova”. Está tudo em aberto para dia 4. 

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