Le Pen nunca gostou e Louçã deixou de gostar. E nós?

Rui Ramos
Observador 17/7/2015

A “Europa”, se morreu com a crise grega, só morreu para quem tinha de morrer: a esquerda radical, que parece finalmente inclinada para corrigir o seu “desvio” europeísta.
A integração europeia pode bem transformar-se na questão política fundamental dos próximos anos. É importante, por isso, compreendermos como é que a crise grega a definiu. Para uns, foi a “morte da Europa”; para outros, a prova da necessidade de mais integração, e de uma integração ainda mais irreversível. Ambas as conclusões estão erradas.
A “Europa”, se morreu, só morreu para quem tinha de morrer: a esquerda radical, que parece finalmente inclinada para corrigir o seu “desvio” europeísta. Na União Europeia, aliás, só havia uma coisa que realmente fascinava os radicais: a possibilidade de usarem o BCE para dominar os mercados, resolvendo desse modo o problema de compatibilizar o socialismo com a globalização. Mas o véu europeísta assim adquirido cobriu bem a nudez revolucionária do radicalismo. Quando alguém, nos últimos meses, se atreveu a notar o extremismo do Syriza, muita gente abanou a cabeça: mas eles defendem o euro. Com efeito, foi a defender o euro que a esquerda radical chegou ao poder na Grécia e nas cidades espanholas.
Nos últimos dias, porém, a experiência do Syriza deixou os radicais desconfiados. Poucos estômagos neomarxistas digeriram bem as imagens de um governo radical a decretar austeridade e a mandar a polícia atacar manifestações. Por cá, já há muito tempo que Francisco Louçã despertou do seu lapso europeísta, que chegou a ser veemente (ainda em 2011, para Louçã, só um “idiota” é que poderia querer sair do euro). Os seus correligionários noutros países estão agora a abrir os olhos. Não demorará muito até os vermos no lugar que lhes cabe, ao lado de Marine Le Pen, que nunca duvidou da natureza demoníaca da UE.
A UE, enquanto projecção internacional de democracias pluralistas, pode ser muita coisa: vai da Carta Social Europeia de 1996, sobre a qual os libertários têm dúvidas, ao Tratado Orçamental de 2012, de que os keynesianos desconfiam. Mas não pode ser todas as coisas, e muito menos o instrumento de uma revolução marxista. A integração europeia significou, no pós-guerra, a opção por um modo de vida definido pelo Estado de direito, pela democracia pluralista e pela economia social de mercado. A UE não é, portanto, uma ONU regional, com lugares para todos os programas e regimes. Se, por hipótese, a Grécia optar por copiar a Venezuela chavista, ou a Hungria insistir em imitar a Rússia de Putin, essas escolhas devem ser respeitadas, mas fora da UE.
No entanto, a UE também não devia ser compatível com uma situação como a da Grécia actual, onde um governo se queixa de ter de executar um programa com que não concorda e cujos princípios foram rejeitados em referendo pela maioria dos seus cidadãos.
Não me esqueço de que se a Grécia está sujeita a uma ditadura europeia, é em primeiro lugar por causa da irresponsabilidade fiscal dos seus governos, incluindo o do Syriza, que fez com que uma saída do euro só possa ser um desastre. Mas isso aconteceu também porque a ideia de que a integração europeia é irreversível convenceu sucessivos políticos gregos de que, no fim, alguém lhes pagaria as contas. Agora, há quem pense, como o sempre fatal François Hollande, que a melhor maneira de prevenir crises de tipo grego está em agravar a integração monetária com um “governo económico europeu”. Mas o que poderia significar este “governo europeu”, em países que estão a divergir, senão a multiplicação de ditaduras externas, mesmo que de tipo profilático? Daria apenas mais oxigénio aos extremismos anti-europeus da esquerda radical e da direita nacionalista.
O euro provou que não basta juntar os países sob as mesmas condições externas para eles convergirem. Um governo económico comum não teria melhores resultados. Depois de século e meio de unificação italiana e de quase 60 anos de integração europeia, o antigo Reino das Duas Sicílias, hoje conhecido por “sul de Itália”, continua a mesma sociedade pobre, dependente do Estado e mafiosa, com um PIB per capita que é 60% da média italiana. Será diferente na Grécia? O FMI não acredita, nem a Alemanha.
A mudança é uma questão que cada país precisa de resolver consigo próprio. O euro, o mercado único, ou os fundos de desenvolvimento regional podem ser importantes motores de desenvolvimento. Mas só funcionarão se a integração europeia estiver baseada numa convergência efectiva de políticas com apoio maioritário dentro de cada país. A integração tem de corresponder a uma escolha política, e não a uma espécie de fatalismo geográfico. Para tanto, são precisas duas coisas: primeiro, que cada sociedade tenha  margem de manobra para decidir sobre os seus princípios e formas de organização; segundo, que a integração não signifique um caminho sem retorno, e que as instituições europeias estejam prontas para dar sequência às eventuais opções divergentes de um país membro.
É por essa razão que a Grécia devia ter saído da zona euro, como propôs Schauble, o ministro das finanças alemã. Não como punição, o que poderia ter sido prevenido com um programa de ajuda, mas para dar oportunidade aos gregos, sem pressões externas, de decidirem se querem não apenas os benefícios do euro, mas a sua disciplina e o modo de vida correspondente. A decisão de manter a Grécia no euro, custe o que custar, foi a decisão errada. A casa europeia tem de ter uma porta de saída, para que faça sentido entrar nela.

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