Ecologia: da «fumata bianca» ao fumo preto
A mais recente Encíclica do
Papa Francisco começa com uma frase de S. Francisco de Assis, num antigo dialecto
italiano, hoje desaparecido: «Laudato si’ mi’ Signore, per sora nostra matre
Terra» (louvado sejas meu Senhor, pela nossa irmã a mãe Terra). Esta oração,
muito conhecida, é o mote poético que condensa a mensagem da Encíclica.
O documento tem um estilo
muito próprio e, talvez por isso mesmo, para não dar a impressão de que há uma
doutrina nova neste pontificado, contém muito mais citações que o habitual. As frases
mais rotundas aparecem geralmente sob a forma de citações da Escritura, de
autoridades antigas, do Concílio Vaticano II, de João XXIII, de Paulo VI, de
João Paulo II, de Bento XVI, do Catecismo da Igreja Católica ou de outros
documentos da Santa Sé e ainda de declarações de numerosas Conferências
Episcopais de todo o mundo, incluindo a Conferência Episcopal Portuguesa. Paulo
VI é citado directamente 5 vezes, João Paulo II 39 vezes e Bento XVI 27 vezes (ou
uma dúzia mais de vezes, se incluirmos escritos de Bento XVI que foram
publicados já pelo seu sucessor). Há ainda outras 103 referências
bibliográficas, sem contar com as frases da Bíblia, que são muito numerosas.
Esta opção de se fundamentar
exaustivamente no Magistério anterior significa que o Papa não quis inventar
uma doutrina nova, mas expor a doutrina de sempre. Este ponto é bastante
importante e, com tantas citações, percebe-se que o Papa Francisco quis que
ficasse claro.
Embora os principais
ensinamentos da Encíclica já sejam conhecidos, o Papa organizou o material de
forma bastante original, muito interessante mesmo para os leitores não
católicos.
A mensagem central,
apresentada sob vários pontos de vista, é que a natureza é um presente de Deus
à humanidade, um livro repassado da bondade e beleza de Deus. Aliás, nós
próprios somos fruto do seu amor. Por isso, temos de cuidar da natureza (e de
nós próprios) com o empenho e a criatividade de quem cuida de um tesouro que
nos foi confiado por quem depositou em nós uma expectativa tão grande.
O Papa nota que a falta de
estima pelo mundo material está associada à desconsideração por Deus e pelos
outros. Na minha opinião, Portugal continental está cheio de exemplos de
menosprezo do património natural e humano e até nos Açores há algum caso. Lembro-me
de arranha-céus implantados no meio de cidades que tinham muita personalidade,
ou no meio de belas paisagens: do cimo desses edifícios, o panorama é realmente
bom, mas aqueles caixotes vêem-se de todo o lado...
Outras vezes, as pessoas fazem
um piquenique e deixam o lixo para trás, esquecendo quem vem a seguir. A
Encíclica fala bastante do lixo, do «descarte», porque inutilizar é também
degradar, tirar valor às coisas. Podemos utilizar os recursos da natureza, para
a alimentação e para tudo o que precisamos, mas não podemos pensar só na produção,
temos de prever a reinserção ambiental do que sobra. Se não, aos poucos, estamos
a «deitar fora» o mundo, a transformá-lo em lixo, sem pensar no que deixamos às
próximas gerações.
Com uma expressão que
remonta ao Papa João Paulo II, esta Encíclica trata também da «ecologia
humana», do respeito por todas as pessoas. O Papa Francisco insiste que ninguém
está a mais, independentemente do que pode produzir. Todos pertencem igualmente
à família humana e todos somos responsáveis por todos. No que toca às pessoas,
o Papa rejeita completamente o «descarte»: nem aborto, nem eutanásia, nem
exclusão dos pobres.
Em tantas referências
bibliográficas, não há uma única de carácter científico. É que (como era de
esperar) o Papa não se pronuncia acerca de aspectos técnicos, conforme ele
próprio repete três vezes ao longo da Encíclica. Aqui ou ali, mencionam-se algumas
consequências do «descarte», a título de exemplo, mas parece-me errado ler este
texto como se fosse um relatório de impactos ambientais, ou um manual de climatologia.
O tema é a doutrina da Igreja acerca do correcto uso dos bens materiais e da
atenção aos mais desfavorecidos; é só nesse sentido que a Encíclica aborda a ecologia,
em particular aquilo que o Papa chama a «ecologia humana».
Em resumo. Leitura
obrigatória para quem quiser ter uma opinião mais fundamentada sobre a responsabilidade
cívica, individual e comunitária, e sobre a relação da sociedade e da economia
com Deus.
José Maria C.S. André
Correio dos Açores, Verdadeiro Olhar, ABC Portuguese Canadian Newspaper, Spe Deus 19-VII-2015
Correio dos Açores, Verdadeiro Olhar, ABC Portuguese Canadian Newspaper, Spe Deus 19-VII-2015
A célebre «fumata bianca» (fumo branco), quando é eleito
um novo Papa.
Reprodução da carta que o
Papa escreveu a todos os Bispos, uns dias antes de a Encíclica se tornar
pública. Tradução portuguesa:
JHS (monograma de Jesus)
Vaticano, 16 de Junho de 2015
Vaticano, 16 de Junho de 2015
Caro irmão:
Em
unidade, na caridade e na paz (L.G. 22) em que vivemos como Bispos, envio-te a
minha carta «Laudato si» sobre o cuidado da nossa casa comum, acompanhada da
minha bênção.
Unidos
ao Senhor, e por favor não se esqueçam de rezar por mim.
Franciscus
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