Adal-badal

José Miguel Pinto dos Santos

Observador 22/7/2015


Há milénios que os Pukhtun, do Paquistão, conhecem o comércio, até o dinheiro, mas preferem o adal-badal, troca direta de uma coisa por outra. Ora para presenciar um adal-badal basta hoje ir a Atenas

Os Pukhtun são um povo orgulhoso e cioso da sua independência. Sofreram ao longo dos séculos invasões armadas e influências culturais de helenistas e budistas, hinduístas e islamitas, mas nunca perderam a essência milenar de ser Pukhtun. Nem Platão nem Buda deixaram marca visível no seu código de honra, e a influência que os Vedas e o Corão nele exerceram não são mais que adornos floreados acrescentados nas franjas de um tecido áspero e duro.

Há milénios que sabem o que é o comércio e que usam dinheiro. As suas mulheres usam moeda para comprar ovos e vender leite. Os homens também a usam para vender ópio e comprar armamento, assuntos mundanos e necessários no dia-a-dia da sua economia doméstica. Mas o que verdadeiramente lhes dá gosto e aumenta a adrenalina é adal-badal, a troca direta de uma coisa por outra. Pode ser a troca de coisas semelhantes como um telemóvel por outro, ou de coisas diferentes como uns óculos de sol por um relógio. Adal-badal nunca é praticado com membros da família alargada, e é usado preferencialmente com forasteiros e completos estranhos, seres com quem não haja qualquer sentimento de solidariedade. Envolve em regra um moroso processo de negociação, com ofertas e contraofertas, argumentos e contra-argumentos (que não têm de ser coerentes ao longo do processo negocial), disse-que-disse e disse-que-não-disse. Para ser completo envolve ainda a chamada, por cada uma das partes, de transeuntes e estranhos a dar apoio à sua posição, quer prestando opinião sobre a qualidade dos bens, quer julgando sobre a probidade moral dos contendores. E quanto maior for o grupo de mirones que se formar à volta dos dois, e quanto mais ruidoso for na expressão de argumentos a favor ou contra, melhor será.

O sucesso num adal-badal está num homem poder considerar ter levado o outro a melhor, pensar ter feito um negócio desigual, e achar ter conseguido, de algum modo, enganar o outro. O verdadeiro ganho não está, note-se, na diferença de valor dos objetos trocados. Está na perceção da magnitude do embuste infringido. Que depois se transformará em orgulho e jactância. E será posto a render ao ser recontado, vezes sem conta pela vida fora, a familiares e conhecidos. Caso uma das partes venha a achar a troca danosa para si procurará renegá-la caso ainda vá a tempo. Vir a tempo não significa antes de ter fechado a transação, de ter dado a palavra, mas o ter a possibilidade de não fazer a entrega do bem. Caso já não seja possível renegar a troca, procurará transferir adal-badal o mono recebido para outra vítima mais ingénua.

Felizmente, para presenciar um adal-badal ao vivo já não é necessário visitar as áreas tribais do Paquistão. Basta ir a Atenas…

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