O que escolher na universidade?
Rui Ramos
Observador 21/7/2015
No acesso ao ensino superior, quase tudo é perverso: a obsessão com a "empregabilidade", o peso das notas do secundário, a especialização dos cursos, e o anonimato de toda a gente.
A partir desta semana, milhares de jovens portugueses vão ter a oportunidade de se candidatar a um curso no Ensino Superior público. O exercício consiste em distribuir um número limitado de vagas de acordo com as médias do ensino secundário. Quase não há nada aqui que não seja perverso. Os estudantes são reduzidos, para efeitos de candidatura, à informação anónima dos testes e exames do secundário. O numerus clausus é ainda pior: serve, não apenas para diminuir a concorrência em certas profissões, mas para repartir os candidatos por cursos que de outro modo teriam pouca ou nenhuma procura.
Mas estas são as condições da escolha. Armado com as suas notas do secundário, o jovem percorre a lista das centenas de cursos altamente especializados. Como escolher?
As autoridades legítimas não parecem ter dúvidas: o critério certo é a taxa de emprego dos diplomados. Ou seja: o melhor curso é aquele que dará ao jovem o emprego com que, um dia, possa pagar as férias sem pedir dinheiro aos pais. Parece a escolha sensata. É, de facto, a pior escolha possível. Não só porque o mercado pode mudar em três ou quatro anos, mas porque seleccionar um curso para que não temos vocação, só porque nos últimos tempos os seus diplomados encontraram empregos, aumentará a probabilidade de não sermos muito bons numa área a que muita gente vai concorrer. Convenhamos que não é o plano mais inteligente para arranjar trabalho. Desse ponto de vista, a escolha não deveria depender do que “está a dar”, mas da resposta a esta pergunta: onde e como é que eu posso estar entre os melhores?
Deverei então decidir segundo o meu interesse por esta ou aquela área de estudos? Como critério, faz mais sentido. Mas não chega. Primeiro, convém que percebamos se o nosso interesse corresponde a uma vocação real, e não a um devaneio infantil ou simples conformismo com as modas do dia. Depois, há que ter em conta que no sistema actual, a escolha segundo a área que me interessa pode servir apenas para eu acabar numa instituição medíocre, onde por acaso estão as vagas ao alcance da minha média. Ora, nenhuma vocação, por mais forte, resiste a maus professores e a más condições de trabalho.
A vocação é uma coisa boa, mas é triste que a vida universitária, com uma ou outra excepção, esteja tão limitada por especializações brutais. As universidades deveriam ser mais do que centros de pré-estágio profissional. Aos dezoito anos, talvez a melhor opção para o estudante fosse aquela que, sem comprometer uma futura predilecção profissional, o ajudasse a desenvolver competências gerais e a explorar todos os recursos de uma boa instituição do ensino superior, sem os constrangimentos fronteiriços dos cursos e departamentos. Mas também é verdade que esse modelo pressupõe, lá fora, empregadores mais interessados em personalidades do que em diplomas, e com meios para proporcionar formação específica a partir de competências básicas.
Enfim, o que deveríamos então escolher, se não for um emprego ou uma especialização? Pessoas. Sim, deveríamos escolher pessoas, e aquilo que as pessoas geram com as suas actividades e as suas relações: um ambiente, uma instituição. Como todos sabemos, aquilo que aprendemos e até aquilo de que gostamos nunca é independente das pessoas que nos ensinaram. Quantas vocações representam, de facto, a influência de um bom professor? Mas quantos dos candidatos se empenham em descobrir que professores irão ter, se optarem por determinado curso? Escolhemos um curso, às vezes uma instituição de ensino, e depois aguentamos os professores que por acaso lá ensinarem.
Num mundo menos louco, os candidatos estariam esta semana a pensar menos em cursos e mais em pessoas: quero aprender com este e aquele professor. E as instituições de ensino estariam a fazer a mesma coisa: a seleccionar pessoas, os seus estudantes, depois de previamente entrevistados: queremos ensinar este e aquele aluno. Em vez disso, um sistema centralizado informa sobre as “saídas profissionais” e a “empregabilidade” dos cursos, e depois distribui os candidatos segundo as médias obtidas no ensino secundário.
Dir-me-ão: é o sistema que temos, e o resto é fantasia. Sim, é verdade que é o sistema que temos, mas a fantasia não é o resto, é este mesmo sistema. O que tem para oferecer a dezenas de milhares de jovens é muito pouco: três ou quatro anos de exames e de cerveja, e no fim um “canudo”, que muitos aguardam como um passaporte de promoção social, mas que, acabado o tempo em que a raridade dos diplomas garantia estatuto e remuneração, poderá não ser mais do que uma aposta frustrada. Infelizmente, nunca tantos se satisfizeram com tão pouco.
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