As listas

Inês Teotónio Pereira 
Observador 25/07/2015

“Fazer as listas” e no fim ainda ter amigos, o principal desafio. Sei do que falo: desde que tirei os cereais da minha lista que um dos meus filhos se recusa a beber leite.
Gosto da expressão “fazer as listas”. Há um mês que o país anda suspenso com a questão “das listas” dos partidos. Quem entra, quem sai, quem fica. Os jornais adoram o desafio de adivinhar os nomes e as leituras políticas desdobram-se cada vez que “um nome é lançado” (outra expressão maravilhosa). Também gosto da expressão “entra nas listas”. Faz-me sempre lembrar o pacote de açúcar que entra ou sai da lista de compras depois de uma última vistoria à despensa antes de sair para as compras. No meu caso fazer as listas inclui coisas como fraldas, leite, detergente para a roupa, etc. Nunca nomes de pessoas. Por isso quando alguém sai de uma lista ou entra numa lista eu associo invariavelmente estas saídas e entradas a poupança ou aumento de despesa.
A questão das listas partidárias é complexa, mais complexa ainda que a lista das compras. “Fazer as listas” não é para qualquer um. Ao contrário de mim, que para fazer uma lista só preciso de uma caneta, de um papel e de analisar com cuidado a já referida dispensa, um líder partidário tem de ter em atenção uma série de outras variáveis que não estão nas prateleiras. Nas minhas listas o que conta é o que é preciso; nas listas dos partidos o que é preciso é que não haja chatices. Que não haja chatices com a “estrutura”, que não haja chatices com as mulheres, que não haja chatices com os jovens, que não haja chatices com as oposições internas, que não haja chatices com os autarcas, etc. Ora isto dá uma grande trabalheira. 
António Costa, por exemplo, já apresentou as listas. Claro que a coisa tinha de dar chatice. Ou porque se impôs à escolha da “estrutura”, ou porque fez não sei quê às mulheres socialistas, ou porque correu com os socráticos, ou porque não correu com os socráticos, ou porque correu com os seguristas, enfim, fez tudo mal. E o mais dramático de tudo isto é que no fim do dia o que vale mais ou menos votos é ele próprio e não a lista que ele fez. Ingrato. 
Na verdade uma lista nunca agrada a toda a gente. E nisto é como as minhas listas. Eu também já não deixo entrar nas minhas listas cereais com açúcar ou Nutella. Acabou: estou a fazer uma remodelação e uma alteração de hábitos, por isso estes produtos saíram das minhas listas. Ora os meus filhos opuseram-se a esta minha opção. Estão frontalmente contra e fazem-me oposição interna feroz. Mas estou irredutível: produtos não essenciais, só para mim; não atendo à minha estrutura. E aqui estou solidária com António Costa e percebo que ele tenha incluído nas listas nomes como os de João Galamba ou Elza Pais apesar da “estrutura”.
Também não é displicente a questão dos independentes. Em todas as listas é preciso independentes, assim como nas minhas listas são essenciais os produtos brancos. Os independentes transmitem  aos eleitores a mensagem pedagógica de que “há pessoas que não são do nosso partido que até dão a cara por nós. Faça o mesmo!” O problema é que as “estruturas” gostam pouco dos independentes, vá-se lá saber porquê, e quando se “fazem as listas” é preciso, antes de mais, pensar na “estrutura”, ou seja, concelhias e distritais dos partidos, que é onde andam os “nomes”. Em relação a esta questão, ao contrário dos líderes, não tenho problemas: os meus filhos não têm uma posição definida sobre os produtos brancos.
“Fazer as listas” é por tudo isto uma enorme complicação, e “fazer as listas” e no fim ainda ter amigos o principal desafio. Sei do que falo: desde que tirei os cereais da minha lista que um dos meus filhos se recusa a beber leite.

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