Dona Práxedes ou a ideologia de género

P. GONÇALO PORTOCARRERO DE ALMADA
Voz da Verdade, 20150719

Dona Práxedes é uma competentíssima telespectadora: está a par de todas as telenovelas e assiste, com religiosa devoção, à programação matinal de dois ou três canais nacionais. Convidada para participar num concurso televisivo, ganhou um automóvel fantástico, que lhe foi entregue pelo locutor de serviço e por um responsável da marca respectiva. Escusado será dizer que D. Práxedes é uma exímia condutora pois, em vinte anos de condução, só teve um acidente: uma ‘infracção’ de segundos, como costuma dizer.
No dia da entrega do carro, em directo, com honras de acompanhamento musical e aplausos da assistência, para o efeito devidamente industriada, D. Práxedes foi alertada, pelo representante da empresa automobilística, para as especificidades da viatura com que foi contemplada. Disse-lhe, entre outras coisas, que deveria apenas usar, como combustível, o gasóleo. Também lhe chamou a atenção para a necessidade da mudança de óleo, a realizar logo que o indicador respectivo, assinalado no painel de condução, desse sinal. Igualmente lhe recordou que a água do radiador deve ser periodicamente verificada.
Dada a sua esfusiante alegria e a azáfama do momento, D. Práxedes não deu muita atenção às indicações de carácter mecânico, até porque se distraíra a pensar colocar, no banco traseiro, duas almofadas de crochet que tinha em casa. Já ao volante do bólide e a caminho de casa, lembrou-se das infindáveis recomendações que lhe tinham sido feitas sobre o funcionamento da sua nova máquina. Como lhe pareceram, então, absurdas essas instruções. Como quem pensa em voz alta, disse a si mesma:
Que conselhos mais disparatados! Afinal, não sou eu a dona do carro?! Não é verdade que me pertence?! E, sendo só meu, não o posso usar como muito bem me apetecer?! Com o meu carro faço o que quero e ninguém tem nada que ver com isso!
D. Práxedes era, como se vê, muito senhora do seu nariz, embora não soubesse muito bem para que lhe servia o seu tão empinado apêndice nasal.
A história não conta o que depois aconteceu mas, se D. Práxedes levou avante o seu plano libertário, contrariando as regras do fabricante do seu veículo, é certo e sabido que o terá danificado, talvez até de forma irreversível. Quer se queira, quer não, um motor tem exigências, cujo incumprimento acarreta graves consequências.
Com certeza que o dono pode fazer o que quiser com o carro que é seu mas, se deitar gasolina no depósito previsto para o gasóleo, não pressionar a embraiagem cada vez que meter uma nova mudança, não verificar os níveis do óleo e da água, etc., arrisca-se a ficar sem automóvel, sem direito a reparação, nem a indemnização.
Explique-se agora a parábola. D. Práxedes significa a ideologia de género; o veículo que lhe é dado é a natureza humana. O representante da marca é a Igreja, que actua em nome do fabricante, o Criador. As instruções para o recto uso da máquina são os mandamentos da lei de Deus e as restantes normas morais cristãs.
Pretender que o sexo, o casamento ou a família, não são realidades naturais mas meras convenções culturais e, por isso, cada qual é livre fazer o que quiser é tão absurdo como querer fazer a digestão através do aparelho respiratório, ver pelos ouvidos ou cheirar com os joelhos… O resultado só pode ser um: o motor gripa, o carro não anda e, possivelmente, fica sem arranjo possível. Mas a responsabilidade será toda do proprietário imprudente, nunca do fabricante divino, nem do seu representante eclesial…
Como disse Bento XVI e o Papa Francisco cita na encíclica Laudato si’, “o homem não se cria a si mesmo. Ele é espírito e vontade, mas é também natureza” (22-9-2011). Deus perdoa sempre, os homens às vezes, a natureza, nunca. Ou, em linguagem técnica: a máquina tem sempre razão.

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