Afinal, a ecologia não é só paisagem

P. Gonçalo Portocarrero de Almada
Observador 4/7/2015, 2:00

Enquanto os ecologistas querem um homem desumanizado num mundo selvagem, a nova ecologia do Papa Francisco propõe, na Laudato si, um mundo renovado a partir de uma humanidade redimida
A ecologia, afinal, não é só paisagem e bicharada. É o que o Papa Francisco diz, por outras palavras, na sua mais recente encíclica, Laudato si, isto é, em português, Louvado sejas.
Muitos ficaram, com razão, surpreendidos com os conhecimentos ecológicos do romano pontífice. Com efeito, nesta sua segunda encíclica, Francisco não apenas prova ser um profundo conhecedor da problemática ambiental, como oferece uma nova compreensão global da natureza, da sua origem e finalidade à luz da razão, da religião cristã e, em particular, dos princípios da doutrina social da Igreja.
A consciência ecológica é tão antiga quanto o pensamento judaico-cristão. Ao primeiro casal é dado o mundo por herança, e ao povo escolhido é garantida uma terra prometida. A bênção de Abraão expressa-se em termos ambientais, pois a sua descendência será tão numerosa como as estrelas do céu e as areias do mar (Gn 22, 17). Muitos salmos (8, 136, 148, etc.), como o cântico dos três jovens (Dn 3, 51-90), explicitam o modo como, através de uma peculiar liturgia universal, o cosmos glorifica o Criador. S. Francisco de Assis, de quem o actual Bispo de Roma tomou o nome, ensina que as criaturas irracionais, as plantas e os seres inanimados, devem ser respeitados e até amados com sentimentos fraternais. Um místico castelhano do século XVI, São João da Cruz, viu na natureza um reflexo da beleza divina em que, de algum modo, a alma intui Deus.
Mais recentemente, a questão ecológica, politizada pelos partidos ditos verdes e por diversas organizações não governamentais, apresenta-se sobretudo como um poderoso lóbi, que actua através de operações de grande impacto mediático, de que as acções protagonizadas pelo Greenpeace são apenas um exemplo.
Em Portugal, os verdes mais não são do que um satélite, ou uma variante cromática, ou daltónica, dos vermelhos. Não será caso único porque, um pouco por toda a parte, a questão ecológica foi indevidamente apropriada por uma certa esquerda, que a usa como arma de arremesso contra o capitalismo, ou o que dele resta, e a economia liberal e neo-liberal.
Contra o uso e o abuso dos recursos naturais, os ecologistas defendem a preservação da natureza como bem comum da humanidade, seja em acções em prol da selva amazónica ou dos bebés focas, das espécies em via de extinção ou da qualidade do ar e das águas marítimas e fluviais. A catástrofe de Chernobyl  deu um especial impulso à agenda ecológica, que também se assume antinuclear.
Mas, e o homem?! E a sociedade?! Será que o respeito pela natureza não se aplica à natureza humana que é, naturalmente, social?! Esta dimensão antropológica e política da ecologia é a que propõe Francisco na Laudato si, como resposta ao capitalismo selvagem e ao consumismo desenfreado, mas também, poder-se-ia acrescentar,  ao experimentalismo genético e à ideologia do género.
A “ecologia integral” de Francisco vai, de facto, muito além do mero equilíbrio ambiental, porque também se refere, por exemplo, à “poluição mental”, no contexto de uma inovadora ecologia económica e social.
Num tempo de redefinição dos conceitos básicos, como a família e o matrimónio – recorde-se que o Supremo Tribunal de Justiça norte-americano acaba de aprovar, em todos os estados, o casamento entre pessoas do mesmo sexo – faz todo o sentido repropor a família natural – que não se revê no datado modelo da família tradicional – bem como o matrimónio natural, constituído pela única união que é naturalmente fecunda e complementar, ou seja, propriamente conjugal. O facto da esmagadora maioria, mais de 90%, das uniões estáveis, no mundo inteiro, se realizarem entre pessoas de diferentes sexos, quaisquer que sejam as suas culturas, religiões ou situações socioeconómicas, permite afirmar que só este casamento é genuinamente natural.
Também não é preciso recorrer a pressupostos ideológicos ou de ordem sobrenatural para reconhecer o carácter violento e antinatural do aborto, a que o Papa Francisco igualmente se refere nesta encíclica, ao afirmar que “não é compatível a defesa da natureza com a justificação do aborto”, que falsamente se pretende equiparar a uma mera ‘interrupção voluntária da gravidez’.
Enquanto os velhos ecologistas querem um homem desumanizado, talvez não muito diferente do imaginado por Georges Orwell e Aldous Huxley, num mundo selvagem, a nova ecologia do Papa Francisco, no esteio da ‘ecologia humana’ de São João Paulo II e da doutrina social da Igreja, propõe um mundo renovado a partir de uma humanidade redimida.
Sacerdote católico

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