Grécia? Só sei que nada sei

JOÃO MIGUEL TAVARES Público 07/07/2015

Entregar Varoufakis numa bandeja de prata é um estender de mão por parte de Tsipras.
O único conselho que tenho para dar acerca da Grécia é este, caro leitor: se alguém lhe disser que sabe tudo o que se está a passar e tudo aquilo que deve ser feito, não acredite. Os humanos, em geral, e os jornalistas, em particular, têm horror à incerteza e ao vazio explicativo, mas há alturas – e esta é uma delas – em que convém refrear ao máximo a bazófia argumentativa e reduzir ao mínimo a forma habitualmente despudorada como damos palpites sobre o mundo a partir do nosso sofá.
Quando convidado a pronunciar-se sobre o referendo na Grécia e o sentido da sua votação, António Costa defendeu no sábado o “estrito respeito pela soberania nacional” dos gregos, recusando-se a entrar na brincadeira dos “oxi” e dos “nai”. Imediatamente, foi acusado de meias tintas e de praticar uma variação desnatada do velho estribilho de Ivone Silva: com um discurso neutro, eu nunca me comprometo. Longe de mim absolver António Costa de quaisquer excessos de calculismo – mas neste caso ele está cheiinho de razão. Defender o “não” ou o “sim” a milhares de quilómetros de distância, como quem está a dar palpites no totobola da devastação económica, é muito feio, e até ligeiramente obsceno, na medida em que nenhum de nós irá arcar com as consequências directas de qualquer uma das opções.
Mais do que isso: fingir que sabemos com toda a certeza quais serão os efeitos do referendo, o que é que o senhor Tsipras vai propor à Europa ou o que é que a senhora Merkel pensa fazer no futuro, é pura aldrabice intelectual. A primeira decisão pós-referendo do vencedor Tsipras foi entregar a cabeça do vencedor Varoufakis à derrotada Merkel. Repito: o primeiro efeito da esmagadora vitória do “não” foi o esmagamento de um dos dois homens que mais lutaram por ela. Isso faz algum sentido? Não nas minhas coordenadas políticas pré-crise grega.
Mas como continuo rodeado de gente cheia de certezas, estou a pensar fundar a Associação das Pessoas que Não Têm Opiniões Definitivas Sobre a Grécia, a ver se arranjo companhia. Primeira alínea dos estatutos: a Europa está a pisar território virgem, pelo que se recomenda infinita prudência. Segunda alínea: todos os palpites sobre o tema far-se-ão acompanhar do seguinte alerta: “Isto é o que eu acho, mas posso estar completamente errado, já que não há termo de comparação.” Terceira alínea: a expressão “os políticos de hoje em dia já não são como os de antigamente” jamais será utilizada, até porque foram Helmut Kohl e François Mitterrand a enfiar-nos numa união monetária que está a agravar as desigualdades dos países periféricos. Os grandes homens estão sobrevalorizados.
Isso não significa, como é óbvio, que as convicções políticas de cada um devam ser suprimidas. Eu continuo a pensar que a Grécia quer o dinheiro dos outros para aplicar as suas próprias políticas, e que tal posição é inaceitável e insustentável. Mas há uma coisa que eu aprecio bastante, e que tem faltado na Europa – chama-se “democracia”. Quando quase dois terços dos gregos votam “não” ao acordo com a UE com os bancos fechados há uma semana, eles merecem, pelo menos, o nosso respeito. E quando, apesar desse “não”, continuam a querer manter-se no euro, merecem também um esforço extra da senhora Merkel e dos restantes países europeus para tentar chegar a um acordo. Entregar Varoufakis numa bandeja de prata é um estender de mão por parte de Tsipras. É também uma oferenda vistosa, que justifica uma derradeira oportunidade. Acho eu.

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