A impreparação dos partidos
JOÃO MIGUEL TAVARES Público 16/07/2015
Aquilo a que assistimos foi a uma admissão pública de que agendas para a década e seus derivados são meros esboços a traço grosso, porque escrita fina só com os glúteos instalados em São Bento.
Na entrevista que António Costa concedeu à TVI no final da semana passada, houve um momento bastante esclarecedor acerca do amadorismo da política nacional e da impreparação com que os partidos chegam ao governo. Estava a discutir-se as diferenças na política fiscal do PS, e em particular a proposta de um aumento dos escalões do IRS para “melhorar a progressividade” do imposto. Perguntou Judite de Sousa: “Já pode ser mais concreto em relação às mudanças dos escalões em sede de IRS?” Respondeu António Costa: “Não assumimos nenhum compromisso concreto porque, para desenhar em concreto aquilo que são os escalões, sem que isso tenha um efeito indesejável no conjunto da receita, só trabalhando por dentro, a partir da própria máquina fiscal. Portanto, só no governo é possível fazer esse desenho em concreto.”
Para o caso de não estarmos a perceber bem esta confissão de absoluta incapacidade do principal partido de oposição em chegar ao governo com uma política fiscal consolidada e estudada até ao mínimo detalhe, logo de seguida António Costa repetiu o seu raciocínio. Judite de Sousa: “Quando admite que as pessoas com rendimentos mais altos paguem mais de IRS, está a definir como baliza que valor?” António Costa: “Não defino a baliza. Insisto: só quem tem o domínio da máquina fiscal tem a informação fina que permite calibrar as alterações das taxas e dos escalões de forma a que não dê um resultado desequilibrado. A partir da oposição, isso não é possível fazer com seriedade e rigor.”
Tal como António Costa, eu também insisto — e insisto que isto é inconcebível. Muito à primeira vista, podemos admitir que o líder do PS tenha fugido à questão com aquela pinta de falsa modéstia que a malta aprecia, argumentando não querer “criar ilusões”. Mas raspando um pouco essa superfície que confunde humildade com impreparação, aquilo que resta é uma confissão bizarra — e tenho pena que Judite de Sousa não lhe tenha simplesmente perguntado: “Portanto, o que o senhor está a dizer é que não é possível apresentar compromissos detalhados, com seriedade e rigor, quando se está na oposição?” A resposta teria de ser um redondo “sim”, porque foi exactamente isso que António Costa confessou.
E, o pior de tudo, é que é bem capaz de ter razão. António Costa tem-se mostrado aplicado: apresentou estudos e propostas com uma qualidade inabitual no PS e a anos-luz de PSD e CDS, que acham que o seu programa eleitoral para o futuro são as medidas do passado. Mas, ainda assim, aquilo a que assistimos foi a uma admissão pública de que agendas para a década e seus derivados são meros esboços a traço grosso, porque escrita fina só com os glúteos instalados em São Bento. Ora, isto não faz sentido nenhum.
E não faz sentido mesmo que essa incompetência seja resultado directo do assalto dos partidos à máquina do Estado de cada vez que um governo muda. Se nas direcções-gerais há sobretudo boys e carreiristas, é expectável que a informação não circule pela oposição. Só que isto tem de acabar de uma vez por todas. Não é admissível que o principal partido da oposição não tenha acesso à mesma informação fiscal que o governo, tal como não é admissível que um primeiro-ministro aterre em São Bento com metade do trabalho de casa por fazer, só porque não há meio de se despolitizar os altos cargos do Estado. Este tipo de amadorismo sai muito caro ao país, e é o género de factura que todos pagamos há já demasiado tempo.
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