O que alguém está a fazer
Miguel Tamen
Observador | 17/7/2015
Por vezes, quem melhor percebe os outros é quem tem a coragem de fechar os olhos e tapar os ouvidos, de modo a não ver o que fazem nem ouvir o que dizem.
Alguém declara que os nossos jovens vão ser os homens e as mulheres de amanhã. Ninguém acredita que esteja a fazer uma previsão. O que estará essa pessoa então a fazer? A pergunta parece disparatada, porque a nossa teoria é a de que para se saber o que alguém está a fazer basta ver ou ouvir o que está a fazer. Um bom par de olhos ou de ouvidos, diz a teoria, são suficientes; aquilo que vemos ou ouvimos tem a reputação de mostrar sem margem para dúvidas o que alguém está a fazer.
A teoria levanta no entanto algumas dificuldades. Por exemplo, quando uma pessoa está a fazer contas de cabeça, ou a congeminar uma vingança, é muito difícil saber o que está realmente a fazer a partir dos seus movimentos e dos seus barulhos. A maior parte das pessoas não diz nada nem faz nenhum movimento especial que indique que esteja naquele momento a multiplicar nove por seis, ou a querer vingar-se; tal como não faz nenhum movimento especial que indica que o seu sangue está a circular.
Vemos uma pessoa que segura um regador a deitar água por cima de um vaso de plantas. Estará a regar plantas? A visão que tivemos não basta para concluir infalivelmente que seja esse o caso. Podemos muito bem acabar por descobrir que estava a experimentar um regador novo, ou a imitar um jardineiro, ou a fazer fisioterapia. O que vimos, o que quer que tenha sido, não foi o que ela estava a fazer.
Do mesmo modo, uma pessoa a quem ouvimos garantir que certas coisas vão acontecer amanhã aos nossos jovens pode muito bem estar apenas a repetir uma coisa que ouviu dizer a terceiros; ou a recitar um poema; ou a dizer aos que o ouvem aquilo que acha que eles querem ouvir; ou a ameaçar os homens e mulheres de amanhã. O que nós ouvimos, por exemplo o que alguém diz, nem sempre nos ajuda.
Um escritor descobriu com alívio que só quando a namorada adormecia, e quando não havia nada para ver ou ouvir, é que conseguia perceber ao certo aquilo que ela estava a fazer. O escritor concluiu que é um erro imaginar que os nossos olhos e os nossos ouvidos são os instrumentos principais para saber aquilo que as outras pessoas estão a fazer. Concluiu que quem melhor consegue perceber o que alguém está a fazer é muitas vezes quem menos se deixa hipnotizar pelos seus movimentos e barulhos; que quem melhor percebe os outros é quem tem a coragem de fechar os olhos e tapar os ouvidos
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