As notícias que sabemos que vão chegar, mas preferíamos que não existissem

José Manuel Fernandes, Macroscópio, 2015.07.07


Há dias assim. Dias com o de hoje em que, bem cedo, a notícia caiu na nossa redação – e em todas as redações. Foi pouco depois das sete da manhã: Maria de Jesus Barroso acabara de morrer. Pelas 5h50 da madrugada. Há semana e meia que sabíamos que era apenas uma questão de tempo – desde a triste notícia da sua queda, do derrame cerebral, do coma irreversível. Mesmo assim esta é uma daquelas notícias que, mesmo quando estamos preparados para as dar, preferíamos que nunca nos surgissem em cima da secretária. Que não existissem.

Dia de memórias e palavras de homenagem, hoje não posso deixar de destacar alguns trabalhos que, de entre os muitos que já foram divulgados, julgo merecerem a atenção dos leitores do Macroscópio. Aqui no Observador tínhamos preparado um perfil da que foi uma grande mulher ao lado de um grande homem e seleccionáramos um conjunto de fotografias de vida para as quais chamo a vossa atenção especial. Gostava também que a ouvissem, ou voltassem a ouvir, a declamar poemas, como estes três de Sophia de Mello Breyner Andresen que também escolhemos para esta ocasião. O primeiro deles é “Carta aos amigos mortos” e começa assim:
“Eis que morrestes – agora já não bate
O vosso coração cujo bater
Dava ritmo e esperança ao meu viver
Agora estais perdidos para mim”


Outras referências essenciais:
  • A revista Sábado publicou uma edição especial e disponibilizou online um texto de Vítor Matos, O verdadeiro poder de Maria de Jesus Barroso, que, partindo de um episódio passado em Moçambique, recorda o essencial da sua vida até ao momento em que o seu marido foi eleito Presidente da República. Até porque é dessa altura a pequena história, bem reveladora, com que esse texto termina: “No dia após a eleição, de Soares como "Presidente de todos os Portugueses", foi ao colégio. Um miúdo com um autocolante de Freitas do Amaral ao peito escondeu-o com vergonha. Ela aproximou-se "Estás a esconder o teu autocolante? Não faças isso, meu querido. Deves mostrar a tua escolha sem vergonha de ninguém." Explicou-lhe a democracia e deu-lhe um beijo.
  • Mas se a Sábado nos fala sobretudo da mulher com intervenção política, a agência Ecclesia tem um interessante retrato da católica que reencontrou a Fé nas últimas décadas da sua vida. Em Maria Barroso era uma cristã «absolutamente invulgar» o padre Feytor Pinto recorda a forma como, na sua paróquia do Campo Grande, ela tinha uma disponibilidade invulgar para todos. Por exemplo: “aos domingos quando vinha para a missa das 19h15 sentavam-se no bar durante uma hora e ia acolhendo e recebendo as pessoas que queriam falar com ela. É fantástico, estava numa simplicidade e proximidade absurdamente extraordinária”.
  • No Público há um trabalho muito bem feito sobre a atriz de cinema, As novas gerações já podem conhecer a actriz Maria Barroso. O ponto de partida é o restauro recente de Mudar de Vida, o filme de Paulo Rocha onde desempenha o papel central. Escrevem Sérgio C. Andrade e Luís Miguel Oliveira, que “Bastaria esse papel para garantir a Maria Barroso um lugar relevantíssimo na história do cinema português. A sua Júlia é uma personagem quase sacrificial, divida entre o amor pelo antigo namorado, regressado da guerra colonial, e o compromisso com o homem – irmão do primeiro – com quem entretanto casou.”
  • Já do Expresso destacaria a fotogaleria, que complementa bem a que o Observador editou, até porque se centra mais em imagens antigas.
  • A finalizar, dois testemunhos pessoais. O primeiro, o de Henrique Monteiro, saiu no Expresso diário (só para assinantes) e chama-se A Drª Maria de Jesus ou a ‘soutora’. Pequeno extracto: “Eu vejo-a, maior do que eu, as mãos entrelaçadas; depois repousando na enorme varanda de uma casa (e uma quinta) que era do meu tio Álvaro, onde ela e Mário Soares estavam; na Índia, em cima do elefante que subia para o forte Amber, em Jaipur, numa visita oficial do Presidente da República, que era o seu marido; há dias, há poucos dias, a mostrar-me com o cuidado devido às coisas preciosas uma fotografia sua com o Papa Francisco. Misturam-se décadas, situações, recordações, mas há a constante ternura, o afeto, a delicadeza, a discrição, a elegância.” O segundo é o Teresa de Sousa, no Público, O que me fica de Maria Barroso, de que deixo esta passagem: “Como é possível viver ao lado de um colosso e manter a individualidade em todas as suas dimensões - política, cívica, familiar, pessoal, pedagógica? Maria Barroso conseguiu este facto extraordinário, mesmo pertencendo a uma geração em que as mulheres deviam ficar na sombra. A sua vida prova o contrário.”
  • Dos vídeos já disponíveis online destaco um, o da Rádio Renascença, Maria Barroso. Uma vida dedicada à defesa dos direitos humanos.
  • Last but not least, o jornal i voltou a dar destaque à que terá sido a sua última entrevista, dada a Luís Osório, “Valeu a pena ter vivido”, e realizada a propósito da passagem do 90º aniversário, no passado mês de Maio. Termina assim:
    Como acha que será reconhecida no futuro?
    Uma cidadã modesta mas amante da liberdade, da solidariedade e do amor. A minha palavra preferida, sem qualquer dúvida…
    O amor.
    O amor.

Fecho este bloco chamando-vos a atenção para as magníficas fotografias inéditas de Clara Azevedo que o Observador publicou hoje ao fim do dia: 10 imagens inéditas, 10 frases. O adeus a Maria Barroso. (uma dessas fotografias é a que abre este Macroscópio) Vêm acompanhadas por 10 frases escolhidas da mulher que nunca deixou de ser ela própria, com toda a sua energia, talento e elegância, mesmo quando podia ser apenas aquilo que tantas vezes lhe chamam: primeia-dama. Foi muito mais, mas mesmo muito mais.

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