Os donos de Portugal

JOÃO CÉSAR DAS NEVES
DN 2015.09.08

Quem tem o poder soberano por cá? Muita gente sabe a resposta a esta pergunta tão simples e importante, mas essa gente anda enganada. Como aquilo que dizem é muito e variado e contraditório, aquilo que dizem tem de ser falso.
A causa do engano não vem do poder, que sempre foi aquilo que tem de ser e, para ser poderoso, tem de ser claro, patente, eminente. Todas as sociedades, mesmo as mais ignorantes, sempre souberam quem mandava Somos a primeira cultura onde a questão é controversa.
O motivo está em nós, que vivemos embriagados em ilusão, mito e fantasia. A era da informação na sociedade da comunicação dá precedência absoluta à opinião e palpite. Isso só pode conduzir à mentira e à confusão.
O regime actual baseia-se no princípio da soberania popular: o povo é quem mais ordena. Repetimos isso tantas vezes que já ninguém acredita. Somos uma democracia e orgulhamo-nos da liberdade conquistada, mas se perguntarmos quem tem o poder soberano na nossa sociedade, ninguém responde: "o povo". As razões disso são diferentes de grupo para grupo, mas realmente a nossa democracia não confia no seu postulado mais essencial.
Depois, sem deixar de nos considerarmos democracia, referimos os soberanos mais diversos. Para identificar o poder superior, a maior parte das pessoas usa uma regra simples e enganadora. Como estamos em crise, o potentado tem de ser necessariamente mau. Assim, a força maléfica que de momento mais repugna ao orador é a resposta. Daí até surgir indignação e raiva é um passo, e chegamos ao tipo de conversa mais comum nos dias de hoje.
O sujeito varia de caso para caso, mas o estilo é semelhante. Da banca aos políticos, passando pelas multinacionais, alemães ou terroristas, americanos, islamitas, maçonaria, judeus ou comunistas, tudo é referido. Não há dúvida de que somos a primeira sociedade onde a determinação do poder soberano resulta numa cacofonia incompreensível; precisamente a cacofonia de telejornais, comentadores, documentários, imprensa, blogues e tantos outros mercadores da confusão em quem confia a era da informação na sociedade da comunicação.
Não é difícil desmascarar esses alegados poderosos dos diagnósticos habituais, pois é evidente a sua fragilidade. Se as forças económicas fossem mesmo omnipotentes, como podia a crise resultar do seu colapso? Os potentados internacionais estão aterrorizados uns com os outros, sentindo-se todos indefesos. Sociedades secretas, partidos sinistros e conspirações latentes devem o seu impacto à ficção que as suporta. Isto não quer dizer que essas entidades não sejam influentes e, em certos episódios, até determinantes. No entanto, o País é tão grande e multifacetado que nenhuma dessas forças o consegue controlar.
O poder, para ser poderoso, tem de ser claro, patente, eminente. Isso é tão óbvio como sempre foi; apesar de o queremos esconder. Quem manda na sociedade tem de ser, portanto, o maior grupo comunitário, a classe média. Somos uma democracia da era da comunicação, onde a opinião pública tudo controla. O poder oficial está no voto e o oficioso nos media e nos mercados. Tudo é definido por eleições, comércio, sondagens. O soberano que todos seduzem e aliciam é o eleitor, cliente e cidadão. Os chamados poderosos - políticos, partidos e governantes, companhias, empresários e banqueiros, juízes, jornais e outras forças sociais - procuram continuamente atrair, capturar e cativar a realmente omnipotente classe média. É nela que reside o poder soberano.
A situação económica actual, que tantos dizem destruir a classe média, é prova evidente do seu poder. Foi para conquistar eleitores e clientes que se tomaram durante décadas as decisões mais ruinosas, no Governo e grupos económicos, que empolaram a dívida. Agora, perante a falência, ninguém tem dinheiro e poder suficiente para pagar os encargos, senão a classe média. Ela é a sacrificada, porque foi em seu nome que as dívidas foram contraídas, e porque só aí há riqueza suficiente. Pois, por muito poderosa que seja, nem ela manipula a aritmética.

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