A crise de valores e os jihadistas

Inês Teotónio Pereira
ionline 2014.09.13
Aqui não é preciso cortarem cabeças para conquistar a liberdade, ou aprenderem a fazer cocktails molotov para defenderem uma religião
Agora que milhares de jovens ocidentais resolveram sair dos sofás das suas casas e das respectivas escolas e universidades para engrossaram as fileiras dos jihadistas em conquista do Estado Islâmico do Iraque e do Levante, voltou o debate sobre a crise de valores no mundo ocidental. O individualismo, o materialismo, a ausência de causas e a irrelevância das ideologias que jazem em paz entre os escombros do Muro de Berlim são apontados como os males que levaram os nossos jovens a atravessar a Europa para aprenderem a cortar cabeças e, como diz Helena Matos, a matar o próximo. A culpa, no fundo, é do capitalismo. Os jovens precisam de ideais e se não lhes dão ideais mas apenas Estado social, empresas, emprego, lucro, liberdade e outros instrumentos demoníacos, eles zangam-se. Zangam-se a sério e aderem à violência como ideal marcando como inimigo quem lhes deu a liberdade para pensarem, dinheiro para pagarem o bilhete de avião e educação para saberem onde é a Síria e o Iraque.
Não faço ideia porque é que os jovens ocidentais resolveram trocar o McDonald's pelas areias do deserto e os reality shows pela violência e pelo terror, mas desconfio que a ausência de valores na Europa não tem nada a ver com isto. Até porque na Europa e no mundo ocidental domina o valor mais importante de todos, que é a liberdade. Aqui os jovens são livres de ser muçulmanos, católicos, judeus, adventistas do sétimo dia, agnósticos, ateus, budistas ou apenas vegetarianos. Aqui podem ter ou não ter valores que ninguém se chateia com isso. O pior, o que aborrece mesmo os nossos jovens, é que não é preciso lutar por isso. Não é preciso cortar cabeças para conquistar a liberdade ou aprender a fazer cocktails molotov para defenderem uma religião. Aqui a violência condena-se, castiga-se, proíbe-se e a liberdade é um dado adquirido. Os nossos valores prendem-se mais com questões relacionadas com défice, com impostos, com a sustentabilidade da Segurança Social ou com o regresso às aulas.
O problema dos jovens criminosos jihadistas não está nos valores, está na escolha dos valores que querem defender. E estes escolheram trocar a bondade pela maldade, o amor pelo ódio, a vida pela morte, a liberdade pelo terror e o seu conforto por uma viagem aos infernos. Porquê? Não sei e desconfio que nem a própria família faz ideia. Mas continuo a achar que a crise de valores quando discutida fora do âmbito da religião nos leva sempre para terrenos pantanosos, onde domina a tese de que os meios justificam quase sempre os fins e os estados devem ter a sua cartilha de valores. O século xx ensinou-nos como isso dá mau resultado. Os valores passam de pais para filhos e é dos pais e dos filhos que se fazem as nações. Não há crise de valores, existem, sim, muitos valores e liberdade para os ter e para os defender. E é em cada casa e em cada família que se faz essa defesa; é na educação que damos aos nossos filhos que se trava a nossa luta de valores. Mas a verdade é que é mais empolgante ser contra alguma coisa que jantar à mesa todos os dias com os nossos filhos e fazer pequenos comícios sobre a importância da responsabilidade perante a liberdade que lhes é dada e que não foram eles a conquistar. É em cada casa que se combatem os jihadistas. Depois, sim, podemos olhar para essa figura abstracta que é o mundo ocidental e fazer análise política.

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