Censura(s)


Rui Patrício | ionline  2014.09.06
Pedir uma pausa, uma diminuição dos decibéis, que procuremos o equilíbrio entre o excesso de ruído e o excesso de silêncio
Lendo o título, poderão pensar: "Que tema tão pouco actual; é fraco." Fraco talvez, mas pouco actual é que não – permitam-me discordar, com o devido respeito (como se diz na linguagem forense, escondendo sob essa fórmula, umas vezes, grande soberba ou refinada hipocrisia, outras, um quente rancor). Vamos por partes, como convém. E sigamos Umberto Eco, um homem que quase sempre tem razão, embora não faça muita gala disso, como é próprio dos inteligentes. Em "Veline e Silêncio", o autor adverte para a existência de duas formas de censura, uma através do silêncio, outra através do ruído, e situa esta última no tempo em que vivemos. Um tempo marcado pelo espectáculo, pelas aparências, pelas ideias rápidas e fáceis e pela propagação das notícias (soit disant, às vezes). Vivemos sob um enorme ruído, falando muito de muitas coisas, e muitas delas com pouca ou nenhuma importância, e transformamos episódios ou divertimentos em "notícia", mas não falamos ou falamos pouco de outras coisas mais importantes e/ou difíceis. Querem exemplos? Não vos ocorreram já uns quantos, enquanto liam estas primeiras palavras? Não? Vejam então, mais logo, os alinhamentos dos serviços noticiosos das televisões, por exemplo.
No final do seu texto – um discurso proferido em 2009 e que está publicado em "Construir o Inimigo e Outros Escritos Ocasionais" –, Eco convida ao silêncio, mas não sem antes ter enaltecido o valor do murmúrio como único e verdadeiramente poderoso e fidedigno meio de informação, na medida em que obriga à atenção, à pausa, ao esforço de audição e de entendimento. E diz o autor, comparando o tempo em que vivemos com a Itália fascista, em que o que era preciso calar chegava às redacções em papel velino: "As veline que conhecemos hoje, porém, são exactamente o contrário: são, sabemo-lo todos, a celebração da aparência, da visibilidade, aliás, da fama chegada através da pura visibilidade, onde o simples aparecer qualifica como excelente, mesmo um aparecer que outrora teria sido considerado inconveniente."
Parece-me que Umberto Eco tem muita razão. Parece-me que as coisas são realmente assim. Não sei se é deliberado, se é estratégia, e de quem; ou se é assim inadvertidamente, mera consequência do ar dos tempos e do modo como vivemos, apenas pura infelicidade ou desgraça. Ou, ao contrário, felicidade e graça. Não sei. E o que sei eu, afinal, sobre o que é melhor ou pior, sobre o que é bem e mal? Talvez não saiba. Só sei que não gosto de tanto ruído. Mesmo nada. E escrevo-o. E, ao fazê-lo, também eu faço ruído, se calhar. Apesar de tudo, será sempre melhor a censura pelo ruído à censura pelo silêncio. Obviamente, quando Eco convida ao silêncio, não está a exortar a nenhuma censura. Está apenas a pedir uma pausa, uma diminuição dos decibéis, um pouco mais de atenção e de contenção; que procuremos, todos, o equilíbrio entre o excesso de ruído e o excesso de silêncio. Como se diria no Facebook, esse avatar da barulheira e das aparências que nos submergem: Like.

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