Um santo normal
Pe. Gonçalo Portocarrero de Almada | ionline 2014.09.27
É hoje beatificado, em Madrid, o bispo D. Álvaro del Portillo, primeiro prelado do Opus Dei: um santo que era surpreendentemente pouco surpreendente
Finalmente, um santo normal! Não é que os outros sejam anormais mas, com frequência, são figuras tão gigantescas que, na realidade, não servem de modelo para quem é, apenas, um fulano qualquer.
Com efeito, quem se atreve a comparar-se com Francisco de Assis, Teresa de Jesus ou Inácio de Loyola? São todos grandes vultos da história da Igreja e da humanidade, fundadores de novos caminhos de santidade e de apostolado, semelhantes, em importância histórica, aos grandes heróis. Gente magnífica, sem dúvida, que não pode servir de referência para quem é apenas um fiel igual a tantos outros, um mero cidadão comum.
Desses tais foi também São Josemaria Escrivá de Balaguer, fundador do Opus Dei. O Papa Paulo VI, que vai ser beatificado em Outubro próximo e que o conheceu pessoalmente, disse que São Josemaria foi uma das pessoas que recebeu mais graças de Deus e que a elas melhor correspondeu. Ou seja, um dos maiores santos da Igreja. Foi também um precursor do Concílio Vaticano II, a que profeticamente se antecipou, difundindo, a partir de 1928, o chamamento universal à plenitude da vida cristã. Mas já não o foi D. Álvaro del Portillo, primeiro sucessor de Escrivá e primeiro bispo prelado do Opus Dei, que hoje mesmo, 27 de Setembro de 2014, é beatificado em Madrid.
É verdade que os Evangelhos, quando se referem aos primeiros santos, falam da amorosa prontidão da sua resposta afirmativa a Cristo. Mas falam também das dúvidas de fé de Tomé; dos sete demónios de que Madalena esteve possessa; do carreirismo dos intempestivos filhos de Zebedeu, João e Tiago; da néscia impertinência de Filipe; da censurável impaciência de Marta; e, até, da tripla negação de Pedro. Quando chegou a hora da paixão e morte de Cristo, todos fugiram cobardemente, com a única excepção do discípulo adolescente que, com Maria e algumas santas mulheres, permaneceu firme aos pés da Cruz do Senhor.
Álvaro del Portillo era, surpreendentemente, pouco surpreendente. Nos três anos em que com ele convivi, em Roma, não lhe recordo nenhuma genialidade, nenhuma reacção espantosa, nenhum dito absolutamente original, nenhuma acção invulgar. Pelo contrário, parecia ser muito normal para quem era, afinal, o primeiro sucessor de uma figura tão carismática como Escrivá. Mas, sem deixar de ser normal, nunca foi uma pessoa banal. Havia nele, em grau superlativo, o que se pede aos cristãos do Opus Dei: o heroísmo escondido do cumprimento habitual do próprio dever, a inteligência arguta de uma profunda sabedoria cristã, a grandeza discreta da verdadeira caridade, a bondade serena de um coração transbordante de amor a Deus. E, sobretudo, uma imensa afabilidade: um cardeal, que o conhecia, disse que falava sorrindo e sorria falando.
Apesar dos seus pesares, os apóstolos não eram banais. Havia neles a presença de um desígnio sobrenatural a que todos foram fiéis, salvo Judas Iscariotes. Graças a essa sua correspondência, são estrelas do firmamento eclesial, luzes que iluminam o mundo, não obstante a sua bendita normalidade.
Muitas pessoas, ainda que alheias ao Opus Dei, sentem pelo Beato Álvaro del Portillo uma devoção filial. Alguns pais e mães são extraordinariamente heróicos mas, na sua grande maioria, são pessoas simples, discretos protagonistas das alegrias e tristezas da vida familiar. Não há aplauso público para este tipo de heróis, mas não há filho, por ingrato que seja, que não canonize, no altar do seu coração, o santo amor de seus pais.
Talvez o bem-aventurado Álvaro del Portillo não tenha feito nada de muito extraordinário, mas cumpriu heroicamente bem a sua missão. Foi, como Maria, a única criatura que é santíssima, um santo extraordinariamente normal!
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