Um homem absolutamente normal
José Maria C. S. André
Na mesma altura em que o Papa Francisco decidiu canonizar os Papas João XXIII e João Paulo II, decidiu a beatificação de D. Álvaro del Portillo, o anterior Prelado do Opus Dei. A beatificação ficou marcada para ontem, sábado 27 de Setembro. No momento em que escrevo, centenas de milhares de pessoas, de muitos países, anunciaram a sua participação e esperam-se ainda mais, que vão aparecer – como é normal nestas ocasiões – sem prevenir ninguém.
Álvaro del Portillo foi uma pessoa absolutamente normal, que viveu em circunstâncias únicas, como cada ser humano, com qualidades e traços de personalidade únicos, como todos os seres humanos, mas absolutamente normal. Cada um de nós tem umas impressões digitais irrepetíveis e hoje sabemos que as marcas dos olhos são ainda mais identificativas e que o DNA das células não deixa quaisquer dúvidas. Mas, antes disso, já sabíamos que, da ponta dos cabelos às manias do carácter, não há dois seres humanos iguais. Se multiplicarmos essa variedade pelas peripécias da história individual, compreendemos que a espécie humana é uma colecção de obras-primas. Nenhum de nós é uma cópia. Dito isto, podemos acrescentar que D. Álvaro foi o protótipo de uma pessoa absolutamente normal. Calma, serena, muito acessível, encantadoramente normal.
Cresceu numa família unida, de 8 filhos. Sentiram dificuldades económicas, como acontece com muitas famílias numerosas, mas não perderam tempo com dramatismos. Também isso é uma reacção típica das famílias numerosas. Foi um aluno excelente, coisa absolutamente normal, porque em todas as turmas alguém tem de ser o melhor aluno.
Fez engenharia civil, que na época era um dos cursos mais exigentes. Antes ainda, completou os estudos politécnicos de engenharia civil, para poder começar a trabalhar mais cedo, porque a situação da família não estava fácil.
Trabalhou, fez o curso e arranjou tempo para se empenhar em actividades sociais num bairro pobre. Foi um aluno notável, porque gostava de engenharia e tinha uma inteligência privilegiada.
Aos 22 anos, conheceu o Opus Dei e descobriu, por uma graça nítida de Deus, a sua vocação. Corria o ano de 1935. Pouco depois, desencadeia-se a perseguição aos católicos em Espanha e a Guerra Civil, em 1936. O pai é preso, com a acusação de ser católico (o que era verdade e ele não queria negar). Vários amigos e conhecidos foram presos e mortos pela mesma razão. Ele próprio também foi preso, mas salvou-se de modo imprevisto. Na clandestinidade, Álvaro aprendeu japonês e outras línguas, para poder levar a mensagem do Opus Dei ao Japão e a outros países.
Quando acaba a Guerra Civil espanhola, começa a Guerra Mundial e os sonhos de viajar atrasam-se. Além disso, o Opus Dei precisava de padres e Álvaro e alguns outros fazem os estudos correspondentes para serem ordenados, o que aconteceu em 1944, ainda durante a Guerra Mundial.
O Arcebispo de Madrid, que conhecia muito bem Álvaro e o admirava, comentou-lhe, antes da ordenação: «Hoje, és uma pessoa notável na sociedade, um engenheiro, cheio de prestígio e de estatuto! Mas amanhã passas a ser um simples padre...». Ele respondeu: «Senhor Bispo, há vários anos que eu entreguei o prestígio e o estatuto a Jesus Cristo». O Arcebispo, que contou esta e outras conversas com Álvaro del Portillo, ficou comovido.
Ao Arcebispo e a todos surpreendia a maturidade espiritual de Álvaro, desde o princípio, apesar de a dispersão da Guerra Civil tornar difícil a formação. Álvaro percebeu imediatamente, que o espírito do Opus Dei era um dom do Espírito Santo à Igreja e não uma ideia feliz do Fundador.
Também chama a atenção a sua capacidade de perdoar. De perdoar aquela gente enlouquecida pelo ódio, que matava cristãos como quem mata baratas. Mais tarde, aqueles que não percebiam a novidade evangélica do espírito do Opus Dei e se achavam no dever de organizar calúnias.
A vida de D. Álvaro passou-se quase toda em Roma. O Fundador encarregou-o de explicar o Opus Dei ao Papa (na altura Pio XII), que o admirou muito. Nessa mesma viagem conheceu Mons. Montini, que viria a ser o Papa Paulo VI. João XXIII nomeou-o para cargos importantes no Concílio Vaticano II. Em 1975, D. Álvaro foi eleito para suceder ao Fundador como Presidente Geral do Opus Dei. Acabou por ficar em Roma toda a vida.
É conhecida a estima que tinham por ele Paulo VI e depois João Paulo I e João Paulo II, que o nomeou Prelado do Opus Dei, quando erigiu a Obra em Prelatura Pessoal, e depois o ordenou Bispo.
O processo de beatificação e canonização de D. Álvaro começou no final do pontificado de João Paulo II mas as principais etapas decorreram já com Bento XVI. Pouco depois de ser eleito, o Papa Francisco decidiu a beatificação, para que fosse difundido «o seu exemplo precioso de vida». Para que, diz também o Papa Francisco, nós todos «imitássemos a sua vida humilde, feliz, escondida, silenciosa, e também o seu testemunho decidido da perene novidade do Evangelho».
Dou muitas graças a Deus porque conheci pessoalmente e falei bastantes vezes com este homem que foi beatificado ontem, modelo extraordinário de normalidade. Uma pessoa de uma profundíssima vida de oração e de uma confiança total em Deus.
João Paulo II rezando diante dos restos mortais de D. Álvaro del Portillo (23 de Março de 1994).
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