O homem da esperança

BRONISLAW MISZTAL Público 01/09/2014 - 00:01
A escolha de Donald Tusk pode ser englobada num conceito de "Europa unida".
Um polaco modesto, quando eleito para ocupar uma das posições com mais visibilidade no hemisfério ocidental, usou três palavras-chave: esperança, confiança e fé. Foi Karol Wojtyla no dia 16 de outubro de 1978, em Roma. Durante a oitava votação foi eleito Papa.
Naquela altura, o mundo estava cansado com o triste estado da política. A intriga soviética no Afeganistão tinha começado cerca de seis meses antes e uma guerra sombria estava a nascer. Um presidente relutante e brando dos Estados Unidos, um presidente omnipotente soviético, um Xá do Irão em falência, uma situação de segurança em decomposição no Médio Oriente, uma apodrecida economia do estado socialista das nações do Pacto de Varsóvia, uma paralizada e demasiado lenta ONU – tudo revelava um quadro sombrio. A Guerra Fria estava no seu auge. O poderoso trio do KGB de Andropov, Ustinov e Ponomarev estavam ao lado de Brezhnev. O Papa, recorrendo à mensagem poderosa da confiança, esperança e valores, foi ouvido em todo lado. Tanto em Moscovo como em Washington D.C. No dia 17 de Outubro eu ia num comboio noturno de Helsínquia para Oulu na Finlândia, para uma palestra, quando de repente encontrei no chão uma revista. Fiquei electrificado, feliz e orgulhoso, ainda mais porque tinha o tão raro privilégio de conhecer Wojtyla, ainda como pastor da comunidade académica em Cracóvia. Sabia que ao perder Wojtyla para o mundo viríamos no final a ganhar através da mensagem potente dele. Ia tornar-se, como escreveu o Prof. João Carlos Espada no PÚBLICO, «o nosso homem no Vaticano».
Hoje o mundo está numa situação parecida. Um líder brando num país, um líder forte noutro, um poder infraestrutural pós-KGB na Rússia, o mundo resplandecente em conflitos e confrontos étnicos, o Médio Oriente nem um pouco menos explosivo, o Irão a aquecer os seus músculos nucleares, o Sul e o Leste da Europa ameaçados, a economia mundial a sangrar após a crise financeira prolongada, um número considerável de depressivas personagens políticas em todo lado – tudo isso é apenas o pano de fundo do drama que está a desenrolar-se na Ucrânia. Tal como a colunista do Washington Post, Anne Applebaum, nos lembra, o belo final do Verão de 2014 lembra muito dos acontecimentos de há 75 anos.
Portanto é com muita esperança e confiança, além de óbvio orgulho e humildade necessária que nós, os Polacos, damos as boas-vindas à nomeação do Presidente da Europa. Donald Tusk, o primeiro-ministro da Polónia, é a escolha da esperança, confiança e valores comuns. É difícil subestimar o significado semiótico desta escolha, que pode ser englobada num conceito de «Europa unida». Uma Europa significa uma Europa unida, não apenas forçadamente ligada às antigas e novas partes. Uma Europa significa uma Europa forte, não apenas um conglomerado de facções e forças centrípetas. Isto também significa uma Europa Jovem, já que a escolha do primeiro-ministro polaco constitui também uma transfusão de sangue para o capital humano europeu. Com 57 anos, Tusk tem a aparência de um menino, mas é um político maduro, ainda jovem (mais ou menos da mesma idade que Karol Wojtyla quando foi eleito Papa), enérgico, em boa forma, rápido, com um raciocínio moderno e com claras opiniões, com uma visão de Europa, franco e inteligente – será um desvio marcante do estilo passado. Das suas várias citações, a que eu pessoalmente mais gosto é: «o dilema não é se devemos estar no centro da Europa ou nas periferias... o dilema é como ser um jogador significante no centro da Europa e não deslizar para periferias em resultado da crise.» Este excerto do discurso governamental de 2011 pode também servir bem como teste decisivo da sua filosofia em trabalho que está, naturalmente, ainda em gestação. Tenho a certeza que a presidência dele não será sombria, mas será dramaticamente desafiadora. Terá que confrontar e aceitar o facto de que, para muitas forças políticas, por várias razões, as políticas europeias passadas não eram assim tão satisfatórias. Presidirá sobre a Europa onde vai testemunhar uma considerável rotação de políticos, diversas chegadas e partidas, e será a posição dele a garantir que a «Europa Unida» continue.
Começa a sua presidência numa altura em que muitas fronteiras contemporâneas estão perfuradas, outras estão porosas e vulneráveis, com milhares de pessoas a tentar sobreviver, reclamando os mesmos valores universais que foram estabelecidos quando a Europa foi formada como união. Começa a sua presidência quando a esperança voa alto e a confiança está em baixo, quando os valores estão fragmentados e os desafios aumentam. Não há nenhum "jogo de vencedores e vencidos" na medida dos problemas da vizinhança europeia, e não há um volume estabelecido dos problemas que vão aparecer à frente. O que a Polónia traz para a Europa é um histórico de sucesso no meio de problemas de outras nações; é uma energia e optimismo de que nós Polacos somos impregnados; é um gene da democracia que está vivo em cada um de nós. Significa muito que quase 75 anos após o dia em que Hitler invadiu a Polónia, a "Europa unida" tenha um líder polaco. Donald Tusk será líder de todos, grandes e pequenos, dos de sucesso e dos que trabalham para sair do buraco, e não apenas para os Europeus, mas também para os do Médio Oriente, norte-africanos, ucranianos, e sim, para os russos também. Orgulhosos e humildes, num sentimento profundo da responsabilidade civil, damos as boas-vindas a Donald Tusk como o Presidente da «Europa unida».
Embaixador da República da Polónia em Lisboa 

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