O que é isto de pôr as famílias com filhos a pagar menos IRS?
Nuno Cardoso Dias, Voz da Verdade, 2014.09.29
Depois da Comissão de Reforma do IRS anunciar a sua proposta de um quociente familiar que permita que o rendimento familiar seja determinado tendo em conta todos os membros desse mesmo agregado, logo vieram algumas vozes verificar que isso provavelmente vai significar um agravamento para os agregados sem filhos e que não é justo penalizar os contribuintes sem filhos, até porque a sua opção é perfeitamente legítima e em alguns casos nem é opção.
Transforma-se assim numa questão moral aquela que não é uma questão moral. Não se trata de penalizar ninguém. Nem pelas suas opções nem pela falta delas. Nem se trata aliás de beneficiar ninguém. Trata-se de reconhecer as coisas como elas são.
Quando vamos comer um gelado e me trazem a conta do que eu e os meus filhos comemos, não vale a pena eu tentar explicar que me estão a penalizar a mim pelas minhas opções e beneficiar o senhor da mesa ao lado, que comeu o mesmo gelado que eu comi e vai pagar apenas um gelado enquanto eu vou pagar seis. Vão explicar-me que além do meu serviram mais cinco gelados. E têm razão: é como as coisas são. O mesmo se passa no supermercado, nas viagens, na roupa, nos livros. O rendimento lá em casa dá para seis, divide-se por seis. Noutras casas não se divide, todo o rendimento é para um. E está certo: isso não beneficia nem prejudica ninguém.
A distorção estava no facto do IRS ser opaco a esta situação. No facto de para efeitos de impostos ser indiferente ou quase indiferente que o meu rendimento dividisse e o de outros fosse inteiro. Isso sim, era injusto e espero que alguma coisa mude. O quociente familiar tem por efeito que os meus filhos não contem por um mas por menos que isso, mas é um passo na direcção certa.
A proposta é feita sem diminuição do valor do imposto cobrado. Isso significa que a correcção que é feita significa que os muitos que não têm filhos dependentes pagarão um pouco mais para que os poucos que os têm passem a pagar o que é devido. Não é penalizar ninguém: é como as coisas são. Se o senhor que nos vendeu os gelados os tivesse debitado na conta do lado e tiver de acertar as contas, não me está a penalizar, está a ser justo.
Há quem questione os efeitos da medida em termos de natalidade. Não me parece que seja uma questão do efeito que a medida possa ter, mas de se criar condições de igualdade entre quem tem e quem não tem filhos: de não se penalizar, afinal, quem tem filhos, pela sua opção. Se houver um efeito positivo, melhor. E parece que as medidas em causa têm tido eficácia: quando distorceram o que era justo pagar contra as famílias e em especial contra as famílias com filhos, começaram a diminuir o número de nascimentos em Portugal. Mas insisto: mesmo sem efeitos na política de natalidade, esta é uma medida justa e consequentemente desejável.
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