É possível compreender as emoções?

José Luís Martins
ionline 2014.09.06
Podemos não compreender o que sentimos, mas tal não significa que devamos ser escravos dos nossos apetites. É o que escolhemos que nos define
Quase nunca sabemos o porquê do que sentimos, mas estamos quase sempre convencidos de que sim. As nossas emoções resultam de lógicas que escapam à razão, no entanto, talvez para que não tenhamos de viver numa escuridão profunda, surgem-nos explicações ilusórias, mais ou menos luminosas, sobre as causas e finalidades do nosso sentir.
Julgamos que nos conhecemos bem e que nos sabemos compreender com exactidão. Mas não é assim. Tão embrenhados andamos em tecer explicações imaginárias sobre o que sentimos, que nos escapa o essencial: o que vamos decidindo. É o que escolhemos que nos define.
Tendemos a ligar-nos a quem está perto de nós em momentos de maior aflição. Julgamos que a atracção se deve ao valor da pessoa em si e não à nossa sensibilidade extrema no momento. A nossa fragilidade é determinante, mais ainda se não a admitirmos enquanto tal.
Nem sempre fazemos o bem a quem gostamos. Mas gostamos quase sempre daqueles a quem fazemos o bem. Talvez porque quanto mais investimos em algo, ou em alguém, mais difícil se torna abandoná-lo. Preferimos deixar de gostar daqueles a quem fazemos mal. Mas, claro, pensamos sempre que a emoção é a causa lógica e os gestos as suas consequências.
Temos pressa em concluir, somos impacientes. Passamos a vida a ditar sentenças, muito tempo antes de chegarmos a ter contacto com os elementos em questão, como se fosse impossível viver em paz com a humildade de reconhecer que há muito mundo que nos ultrapassa... Quando, na verdade, as avaliações são sempre melhores se forem feitas depois, quando já se teve acesso a um conjunto substancial de factos... nunca antes.
Preferimos o simples ao complicado, e isso é bom, mas, por vezes, a preguiça leva-nos a aceitar ideias redutoras... só porque parecem funcionar e assim se pode passar ao assunto seguinte. Embarcamos com tremenda facilidade em miragens criadas por nós mesmos. Assim, como tememos o que não compreendemos e queremos fugir das nossas dúvidas acabamos, tantas vezes, presos a certezas que, na verdade, são apenas equívocos. Simples, mas equívocos.
Temos a obrigação de distinguir o certo do errado. Somos seres capazes de resolver problemas. Podemos não compreender o que sentimos, mas tal não significa que devamos ser escravos dos nossos apetites. É o que escolhemos que nos define.
O aparecimento das paixões não é da nossa responsabilidade. Não temos nunca culpa do seu surgimento mas temos sempre o dever de lhe dar uma resposta, aceitando-as ou rejeitando-as... definindo o rumo que devem seguir daí por diante. Ninguém pode viver longe do prazer e da dor, mas a nossa vida exige-nos que escolhamos de acordo com critérios bem mais nobres que essas referências básicas. O heroísmo passa por sermos capazes de fazer frente aos próprios medos, vencendo-os através da vontade de seguir rumo a outro fim. Todos estamos expostos a paixões contrárias aos nossos sonhos...
Quantas vezes vivemos contradições absolutas entre o pensar e o sentir? É o que escolhemos que nos define.
A vida é feita de muitas tempestades e contradições. É bom aprender que nem tudo é para compreender... que a vida é para se viver, mais do que para se passar todo o tempo a querer saber os mistérios do que nos ultrapassa.
As lágrimas e os sorrisos são manifestações da alma, da verdade. Podemos pensar antes e depois, mas é preciso impedir que a ansiedade do pensamento arruíne o que sentimos. Depois de ter o acordo da razão e da vontade, a melhor forma de estragar um beijo ou um abraço é pensar no que se está a fazer.
O amor está para além do que nos é possível compreender. Não o podemos comandar, mas também não somos forçados a obedecer-lhe. É o que escolhemos que nos define.

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