A natalidade não é solução
- Alexandre Homem Cristo
OBSERVADOR | 8/9/2014
O consenso generalizado à volta da natalidade como solução tornou-se num estado de negação colectivo quanto à necessidade de reformar o Estado Social.
Portugal está a perder população. Se nada se alterar (em termos de natalidade e emigração), prevê-se que seja, em 2060, um país com cerca de 6 a 7 milhões de habitantes. E, entre esses, o número de activos será praticamente idêntico ao número de idosos. A situação terá implicações gravíssimas, sobretudo no quadro do Estado Social. Na educação, porque haverá menos alunos e menor necessidade de escolas e professores. Na saúde, porque os custos com cuidados médicos aumentarão face ao grande número de idosos. E na segurança social, porque a população activa diminuirá, dificultando o financiamento dos apoios sociais por via das contribuições para o sistema. Sim, estamos todos de acordo: existe um problema. Mas, se a natalidade faz parte desse problema, fará também parte da solução?
É fácil acreditar que sim (eu próprio já acreditei). Os números são tão avassaladores que o consenso foi instantâneo: grande parte do problema (e da solução) de sustentabilidade do Estado Social está na demografia e o que falta é acção política para pôr os portugueses a fazer filhos. Só que, apesar de todos concordarem que se trata de uma prioridade, em termos de políticas públicas, na última década pouco ou nada foi feito nesse sentido. Após inúmeras discussões e propostas que nem saíram do papel, ficámos na mesma.
Parece contraditório, mas não o é. Na verdade, e apesar das boas intenções, ver na promoção da natalidade uma resposta à altura dos desafios do Estado Social é meio caminho andado para que nada aconteça. Porque é extremamente improvável que Portugal volte a ter índices de natalidade tão elevados como teve há 40 anos. E, sobretudo, porque isso nos impede de discutir o que realmente interessa – o modelo de Estado Social. Sim, há um problema de sustentabilidade. E, claro, a queda da natalidade tem influência. Mas fazer da natalidade a raiz da solução não é só acreditar em cenários improváveis ou mesmo milagrosos. É, também, um álibi perfeito (porque consensual) para não se reformar o Estado Social.
Prever que o futuro será igual ao presente é um erro. Nós não sabemos o que aí vem e, por mais previsões que façamos com base no presente, a probabilidade é que o futuro arranje sempre forma de nos surpreender. É um facto: as previsões a longo prazo têm uma grande tendência para sair completamente erradas (no Expresso Diário, Henrique Monteiro ilustrou isso muito bem). Em 2060, tudo será diferente. E ninguém sabe ou pode prever o impacto dessas diferenças na sociedade portuguesa.
De resto, há que censurar a crença de que podemos moldar a realidade (a demografia) para que esta encaixe nos nossos modelos teóricos (o Estado Social). É uma ilusão, pois os milagres não acontecem. O Estado não se pode intrometer nas escolhas dos indivíduos e dos casais, e não existem soluções mágicas para gerar uma explosão de natalidade. Até porque, apesar dos incentivos fiscais ou financeiros que o Estado possa promover (com o pouco dinheiro que tem), a questão é também cultural – vivemos na era do individualismo, em que as pessoas resistem cada vez mais a abandonar os seus confortos e assumir compromissos tão permanentes como o de ter filhos. Faz parte. A população portuguesa está a envelhecer e, tudo indica, manter-se-á envelhecida. E mesmo que consigamos atenuar essa tendência, é bastante improvável que a invertamos. Ou seja, vamos ter de lidar com a realidade, tal como ela é – e não como gostávamos que ela fosse.
A resposta possível é uma reforma profunda do nosso modelo de Estado Social – repor os seus equilíbrios, mexer nas estruturas do seu financiamento, torná-lo mais eficiente. A garantia da sustentabilidade do Estado Social é hoje muito mais plausível por via da sua adaptação ao actual contexto demográfico do que por via de um milagroso baby-boom. Portugal precisa de mais jovens, é certo, mas tem de deixar de acreditar que isso lhe vai poupar as dores de uma reforma profunda.
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