O regresso do Ocidente?

JOÃO CARLOS ESPADA Público | 08/09/2014 
Se a Europa e o Ocidente quiserem voltar a pensar estrategicamente, vamos ter de enfrentar os desafios enunciados neste livro.
Depois da feliz eleição de Donald Tusk para a presidência do Conselho Europeu, a NATO realizou uma "cimeira histórica", como observou Teresa de Sousa ontem neste jornal. São boas notícias para um Ocidente que parecia anestesiado perante a brutalidade do fanatismo islâmico e a arrogância da Rússia na Ucrânia.
Mas, como também argumentou Teresa de Sousa, este é apenas o princípio do desejável retorno da determinação ocidental em garantir a sua autodefesa. No mesmo sentido, Miguel Monjardino dizia, no Expresso de sábado, que a "pergunta decisiva" reside em saber se "há vontade política a nível interno e margem de manobra orçamental para trazer a estratégia de volta à Europa".
A vontade política e a margem de manobra orçamental estão de facto associadas. E pode acontecer que a criação de margem de manobra orçamental dependa sobretudo da vontade política. Essa é a tese central de um livro recente de dois influentes jornalistas de The Economist, John Micklethwait, o director da revista, e Adrian Wooldridge. O título é bastante sugestivo: The Fourth Revolution: The Global Race to Reinvent the State (Allen Lane, 2014).
A obra começa com uma empolgante descrição de um campus universitário de 42 hectares nos subúrbios de Xangai. Trata-se da CELAP, China Executive Leadership Academy. É uma escola de treino para altos executivos do império chinês.
O lema da CELAP é "o que quer que funcione melhor será estudado e adoptado aqui". Curiosamente, o Ocidente é estudado sobretudo no plano económico — como funciona a economia de mercado. Mas, no domínio político, o sistema de governo ocidental é olhado com um misto de desdém e cepticismo.
Há boas e más razões para esta atitude. Entre as más razões, os autores citam a peculiar ideia chinesa de que o sistema político americano é corrupto. A verdade, no entanto, é que a riqueza dos 50 membros mais abastados do Congresso Nacional do Povo de Pequim é estimada em 95 mil milhões de dólares — 60 vezes mais do que a riqueza conjunta dos 50 mais ricos membros do Congresso norte-americano.
Há, no entanto, também razões respeitáveis: basicamente, os chineses percebem que o sistema político norte-americano e europeu enfrenta sérios bloqueios.
Nos EUA, a despesa pública aumentou de 7,5% do PIB em 1913 para 19,7% em 1937, depois para 27% em 1960, 34% em 2000 e 41% em 2011. No Reino Unido, cresceu de 13% em 1913 para 48% em 2011. Um crescimento semelhante teve lugar nos 13 países ocidentais mais ricos. Como costuma dizer a sra. Merkel, recordam os nossos autores, isto simplesmente não é sustentável: a União Europeia tem 7% da população mundial, 25% do produto global e 50% da despesa social.
Será cada vez menos sustentável, acrescentam Micklethwait e Wooldridge. Na União Europeia, a população activa atingiu um pico de 308 milhões de pessoas em 2012 — e vai declinar para 265 milhões em 2060. A taxa de reformados (mais de 65 anos de idade) relativamente à população activa (entre os 26 e os 64 anos) vai crescer no mesmo período de 28% para 58% — e isto assumindo que a UE irá receber mais de um milhão de imigrantes jovens por ano.
O que pode ser feito? Os autores promovem um levantamento global de experiências que consideram de maior sucesso: Califórnia, Suécia, Brasil, Índia, China e Singapura, são apenas algumas das paragens de uma viagem vertiginosa. As lições a retirar deverão ser fundadas num misto de pragmatismo (o que funciona melhor) e de princípios políticos (a defesa da democracia liberal contra o centralismo autoritário).
A clara preferência dos autores vai para a experiência sueca. A despesa pública desceu de 67% do PIB em 1993 para os actuais 49%. A dívida pública caiu de 70% do PIB em 1993 para 37% em 2010; o défice orçamental desceu no mesmo período de 11% para 0,3%. Tudo isto foi feito em democracia, com uma profunda reforma das funções do Estado: de Estado-fornecedor de serviços públicos, passou a Estado-garantia de acesso a esses serviços, fornecidos em regime de concorrência por agentes públicos e privados.
Esta é, segundo os autores, a quarta revolução, que já está em curso, na história do Estado moderno. A primeira, no século XVII, assistiu à criação do moderno Estado-nação; a segunda, no final do século XVIII e durante o XIX, substituiu um sistema de corte por um governo limitado que presta contas ao Parlamento; a terceira, no século XX, levou ao actual Welfare State.
Se a Europa e o Ocidente quiserem voltar a pensar estrategicamente, vamos ter de enfrentar os desafios enunciados neste livro.

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