"Swap" democrático

JOÃO CÉSAR DAS NEVES
DN 2013-08-19


A oposição é a peça central da democracia, a característica definitória do regime. Todos os sistemas têm governo; só as democracias mantêm uma oposição activa. Indicando opções e variantes, erros e omissões, dando voz aos descontentes, a sua missão é servir de alternativa, aspecto decisivo da natureza democrática. O asfixiante unanimismo de outros sistemas mostra quão preciosa é a sua realidade.
A sua principal importância é, porém, não funcional mas conceptual. O valor decisivo da oposição está menos no que faz do que na simples existência. À volta dela se manifesta a virtude decisiva da democracia, o desportivismo; a capacidade de saber ganhar e perder sem violar o confronto saudável. Isso é indispensável mesmo se não existem alternativas ou erros.
Elemento central da democracia, a oposição é também o mais difícil. É bem sabido que o desportivismo exigente em todas as posições surge mais amargo e penoso para quem perde. Por isso se pode dizer que na pureza dos conceitos é mais difícil ser-se uma boa oposição do que um bom governo. Ela constitui a zona mais frágil de todo o sistema. Aí se manifestam as falhas no dia-a-dia; aí nascem os golpes fatais para as instituições.
Nos casos extremos de pseudo- democracias, que respiram falsa liberdade, o risco vem da opressão e arbitrariedade do poder, mascarado atrás de pretenso sufrágio. As democracias imaturas, pelo seu lado, protegem-se desse vício. A sua fragilidade situa-se, no entanto, na falta de desportivismo, manifestado sobretudo na incompreensão do papel da minoria. Porque o propósito último da oposição não é opor--se ao governo, alvitrar alternativas ou denunciar abusos e atropelos. Esses são meios que se dirigem, sempre e apenas, ao bem da sociedade e progresso nacional. Esquecendo-o, a sua própria condição de vencida conduz inexoravelmente à perversão. Esta pode ser tripla: desprezada pelo poder, ignorada dos cidadãos, distorcida em si própria. A pior é a terceira.
Nada é mais triste numa democracia do que uma oposição que não se respeita a si mesma. Então as diferenças transformam-se em zangas, os reparos em insultos, a discordância em conflito. Aí a oposição converte-se em sabotagem. No calor da sua função, pode até cair em traição à pátria, invocando a abertura democrática para justificar comportamentos inaceitáveis.
Os últimos anos mostram como Portugal ainda precisa de crescer nestas dimensões. Os repetidos apelos a um "pacto de regime", que anularia a oposição num "governo de salvação nacional", só podem manifestar forte dúvida quanto à capacidade de, perante a crise, se funcionar em normalidade democrática. No fundo suspeita-se de que a oposição não esteja à altura das suas responsabilidades e, minando o poder, sacrifique o interesse nacional a propósitos eleitorais.
Deve dizer-se que os partidos da minoria têm feito muito para confirmar essa presunção. Chegou-se mesmo à mais lamentável das práticas oposicionistas, a "guerra santa" ao poder, radical, fanática e intolerante. Mais do que debate e alternativas, hoje ouvem-se anátemas, exorcismos, maldições. Em momento tão delicado, actuações destas põem em perigo o coração da democracia.
O recente caso dos swaps é particularmente ridículo. O fenómeno mantém-se obscuro, mas com claros sinais de irregularidade. Só que, a existir crime, os principais culpados situam-se no anterior Governo. Em vez de o assumir, esse partido, agora na oposição, ataca o actual Executivo em aspectos laterais.
Usar, durante uma emergência nacional, casos desta delicadeza como arma de arremesso, chicana mediática ou bloqueio político é inaceitável. Tratar como bandidos todos os remotamente ligados à questão é insensato. Ainda não se castigaram os decisores públicos que os contrataram, mas já foi despedido um ex-banqueiro por participar em reuniões. Isto tem alguma lógica?
O mais chocante é o supino desprezo pelo interesse nacional. Sacrificado nas negociatas antigas, torna a sê-lo agora nos bloqueios à governação. Isto degrada Governo, a oposição e a democracia.

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