Papa Francisco:o revolucionário da simplicidade
Carlos Carreiras, ionline 2013-08-07
A questão que está em aberto é a de saber que mudanças o estilo e o tom de Francisco provocarão na Igreja e no mundo
Chama-se "O Presidente, o Papa e o primeiro-ministro: os três que mudaram o mundo" e é um livro escrito pela mão do provocador jornalista britânico John O'Sullivan. Colocando o leitor na década de 80, O'Sullivan mostra como a acção concertada de Ronald Reagan, João Paulo II e Margaret Thatcher, alimentada por uma admiração pessoal e política mútuas, foi decisiva na desconstrução do império soviético. Ou, dito de outra forma, como a influência articulada dos três foi decisiva para vencer uma ideologia que subjugava a pessoa em nome de uma ideal político. Hoje, uma década volvida sobre a publicação do livro, e a menos de uma semana de se assinalar a efeméride da construção do Muro de Berlim, é interessante voltar a O'Sullivan. Já não há ameaça da ideologia comunista mas o seu sucedâneo, o capitalismo selvagem, não lhe está tão distante como à primeira vista possa parecer: se o comunismo subjugava a pessoa em nome de um ideal, o capitalismo selvagem oprime a pessoa em nome da especulação.Reagan, João Paulo II e Thatcher deixaram o marxismo em escombros. Mas no seu lugar, quase 25 anos depois, as sociedades livres são ameaçadas por outra ideologia tão perigosa e tão iliberal como aquela que derrotaram - olhe-se para os países afectados pela ditadura financeira dos mercados. Isso leva-me à seguinte questão: podemos ter esperança e acreditar que, por uma obra do destino, uma troika contemporânea de líderes carismáticos também surja no caminho para mudar o mundo?
Quanto ao presidente (Obama foi o que mais se aproximou, mas a sua mensagem teve mais esperança e mudança do que a sua prática política) e ao primeiro-ministro, (na Europa, o único que manda, manda mal) ainda não temos sinais. Mas Papa, já temos.
Francisco, ou o "Papa do pé descalço" como já lhe chamaram pela sua aproximação aos pobres, está a dar sinais de um tremendo poder reformador. As ondas de choque do seu pontificado prometem não ficar contidas nas fronteiras do Vaticano. Com uma mensagem clara, um estilo próximo, quente, e uma simplicidade desconcertante, Francisco adoptou uma postura capaz de conquistar o respeito de todos, até dos não crentes. As Jornadas Mundiais da Juventude no Brasil, e a inédita conferência de imprensa a bordo do avião no regresso à Europa, vêm apenas consolidar a ideia que se está a construir deste homem, como rosto de genuína compaixão e misericórdia.
A questão que está em aberto é a de saber que mudanças o estilo e o tom de Francisco provocarão na Igreja e no mundo. Na linha de Bento XVI, mas mais eficaz, Francisco tomou como uma das suas mensagens fortes a denúncia dos males do capitalismo e da cultura do vazio materialista. Aparecendo como um Papa ligado aos problemas das pessoas, centrou parte da mensagem da Igreja no combate à pobreza e às desigualdades. Há um regresso à simplicidade da vida e aos valores humanistas que se saúda. E não deixa de ser notável que seja a Igreja a fazer aquilo que, na política, ainda ninguém conseguiu fazer: oferecer uma proposta alternativa aos ditames do capitalismo selvagem. Uma proposta que não é política, embora os Estados tenham que fazer o seu papel, mas que é individual porque depende do caminho que cada um for capaz de fazer na procura da felicidade imaterial.
É óbvio que temas que marcaram o passado recente de Roma continuam a assombrar o pontificado. Também aí o Papa Francisco consegue surpreender, mostrando que a Igreja está mais interessada na pessoa e na sua dignidade do que em apontar o dedo ao seu comportamento.
Por ser alguém de quem é tão fácil gostar, por ser capaz de mobilizar e de dar esperança como nenhum outro, Francisco devia ser um caso de estudo para todos os líderes. Ele e a sua mensagem são a prova de que num mundo dopado em consumo e em formas de felicidade instantânea que os políticos tantas vezes se apressam a prometer, há um caminho mais duro mas mais compensador de felicidade duradoura vivida através da humildade e das coisas mais simples. Francisco é líder pela modéstia e pela força transformadora da simplicidade. Saibamos todos aprender com o seu exemplo.
Presidente da Câmara Municipal de Cascais
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