Portugal merece confiança
Os sinais internacionais que se vão desenhando no horizonte, sendo contraditórios, podem oferecer motivo de alento. E o certo é que esse estímulo não significa menos preocupação, mas sim apelo exigente a não facilitar as coisas e a mudar de atitude. Abundam as tentativas de explicação e sobretudo demasiadas invetivas, mas falta a ponderação serena e desapaixonada dos erros cometidos, que permita a prevenção futura, para que não se repitam. Discute-se se a União Europeia estará à altura das circunstâncias e apela-se a que cada Estado assuma as suas responsabilidades. Tudo isso é verdade. Precisamos de mais Europa, como convergência de esforços, não apenas por nós, mas com vista à redução dos riscos de instabilidade mundial, necessitando de vontade própria, de determinação - que não podem confundir-se com protecionismo ou isolamento.
A confiança tem de ser reforçada. O Tratado Orçamental, que ficou aquém do desejável, por ser intergovernamental e não envolver ainda o método comunitário, possui virtualidades que têm de ser aproveitadas, devendo servir de base ao trabalho que tem de ser feito de recuperação económica e de criação de emprego, de crescimento e de desenvolvimento. E a verdade é que o Tratado Orçamental tem, entre nós, uma legitimidade política mais alargada do que a maioria parlamentar que sustenta o Governo. Há, por isso, que explorar todas as potencialidades deste instrumento, que consagra o rigor e a disciplina, mas que pode e deve ser lido inteligentemente nas suas margens de flexibilidade. Com efeito, importa lê-lo e aplicá-lo em ligação com o estipulado no Tratado da União Europeia, quer quanto à coesão económica, social e territorial, quer quanto à defesa e salvaguarda dos interesses comuns. De facto, não podemos esquecer que não basta falar de uma parte dos problemas, necessitamos de olhar as receitas e as despesas públicas, de reduzir a despesa corrente primária e de tornar mais efetivo o investimento reprodutivo em despesa de capital, de tornar a tributação mais justa e amiga do contribuinte e da economia, de melhorar o sistema de informação (articulando responsabilidade política e económica, controlo interno e externo, estatística e informação transparente e uniforme, supervisão bancária e regulação financeira, bem como justiça de contas) e de tornar o Estado social mais eficiente e equitativo, capaz de melhor realizar a justiça distributiva.
Portugal dispõe de uma base importante que permitirá termos um Programa Cautelar que permita uma informação atempada, coerente, fidedigna e dispormos de um sistema de controlo e alerta. O Conselho de Finanças Públicas português é pioneiro, como órgão administrativo, independente, de controlo interno, devendo desenvolver-se como instituição de acompanhamento e alerta; a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), da Assembleia da República, permite assegurar decisões mais informadas e a ponderação dos diversos fatores envolvidos no consentimento e na autorização orçamental; e as instituições encarregadas do reporte à União Europeia para efeito de défices excessivos, têm vindo a aperfeiçoar o sistema de apresentação. Impõe-se, porém, cumprir as recomendações do Tribunal de Contas (TdC), em especial no tocante ao respeito do Plano Oficial de Contabilidade Pública (POCP), que se espera ver concretizado em final de 2013, ao cabo de vinte anos, bem como relativamente à prestação eletrónica de contas. É decisivo chegarmos, com urgência, a bom porto nestes domínios. Do mesmo modo, é o momento de acertarmos os calendários relativamente às Contas do Estado e das Regiões Autónomas, como o TdC tem insistido. É aconselhável que, em futura alteração da Lei de Enquadramento Orçamental (LEO) sejam introduzidas mudanças de modo a que tenhamos Pareceres do TdC sobre as últimas Contas apresentadas, quando os parlamentos aprovarem os Orçamentos de anos subsequentes, a fim de que o consentimento e a autorização parlamentares sejam mais e melhor fundamentados e os cidadãos façam o escrutínio das recomendações cumpridas e por cumprir e do respetivo alcance. A disponibilidade do Tribunal foi manifestada oportunamente para que, com Contas apresentadas em março, tenhamos Parecer em setembro.
Portugal merece a confiança das instituições internacionais, dos cidadãos e dos mercados. Estamos a cumprir o que nos obrigámos, e devemos continuar. Importa, porém, que a inteligência e a discrição prevaleçam. Os próximos meses serão decisivos, obrigando a que todos os intervenientes saibam distinguir o essencial dos compromissos, em especial os ligados às responsabilidades sociais. Seremos alunos aplicados se soubermos ligar a disciplina e a justiça, a confiança e a coesão, e, sobretudo, se apostarmos na determinação dos resultados, sociais e financeiros, evitando fragilizar a nossa posição.
Presidente do Tribunal de Contas e presidente da EUROSAI (Organização Europeia de Tribunais de Contas)
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