As palavras constroem nações, as nações constroem palavras
Diário Económico | 13/08/13 00:01 | Pedro do Carmo Costa
Mudámo-nos para Londres há ano e meio e não podíamos estar mais felizes com a decisão. A decisão de partir foi reforçada pelo número de vezes que ouvíamos entrar pela casa a dentro, pela voz dos nossos filhos de três, cinco, oito e nove anos as palavras "crise", "ladrões", "pobreza".
São palavras que - acreditávamos e acreditamos - só podem criar preocupações e amputar possibilidades a crianças tão pequenas.
Quando chegámos a Londres finalmente entendi o poder das palavras e o poder das instituições. Quando participo nos eventos do colégio dos meus filhos - colégios privados e públicos - e ouço as crianças a cantarem o 'God Save the Queen', em sentido, em uníssono, fico arrepiado dos pés à cabeça. Quando pela cidade vejo espalhados símbolos daquilo que representa a Grã-Bretanha, as palavras de assombro e de motivação, finalmente entendo que nações constroem palavras. A qualidade das instituições e o respeito que todos têm pelas mesmas são a receita de sucesso destas Ilhas. Com todas as diferenças, com todas as culturas mescladas, com todas as suas imperfeições e problemas profundos, todos se mobilizam em torno das palavras e das instituições - cada um faz parte do todo.
Aqui, a multi-culturalidade, a simplicidade das coisas, o civismo que sentimos são apenas algumas das coisas que nos fazem pensar que a estadia, se depender de nós, será longa. Portugal tornou-se um lugar melhor nas nossas cabeças. Afinal é um lugar que para nós passou a representar família, amigos, bom tempo, praia. A retina familiar passou a fixar - ainda bem - apenas as coisas boas.
Para mim, que trabalho diariamente com Lisboa e vou acompanhando o estado das coisas pelos jornais 'online' e pasmo-me com o fosso que existe entre os dois países. Portugal, visto daqui, é um país irrevogavelmente à deriva, sem esperança, em que o povo e as elites parecem estar num estado letárgico característico de quem não tem rumo. Tudo o que se lê nas notícias é a pequena história, a pequena quezília, como se todo o País não fosse mais do que uma paroquia.
A nomeação de uma sub-secretária de Estado do vice-primeiro-ministro, a novela prisional do Isaltino, gente que cospe num ministro - tenho que ler duas vezes para acreditar que é verdade. As nossas instituições - excepção feita à Igreja Católica - são deploráveis. Os poderes caíram na sarjeta, tudo opina a torto e a direito sem que exista uma mobilização, algo que leve a uma credibilização das mesmas. Quando olho daqui, convenço-me que continuamos a ser um País individualista. Cada um pensa em si, no máximo na sua família e círculo próximo de amigos. O conceito de comunidade, de sociedade civil, é algo abstracto. Continuamos a fugir aos impostos como se o contrário fosse uma aberração. Continuamos a não votar. Esquecemo-nos que os políticos que nos governam são de facto um retrato daquilo que nós somos. O Estado e os políticos somos nós. Apesar disso continuamos acreditar que alguém cuidará de nós. Que o mesmo Estado tem a obrigação de prover perpetuamente e infalivelmente, tudo o que necessitamos. Esta visão - muito incutida pelo salazarismo - está profundamente enraizada nas nossas gentes.
Tudo isto é hiperbolizado pela ausência de elites, no verdadeiro sentido da palavra. A nossa classe política é uma piada, a sociedade civil só se organiza em torno de interesses que ultimamente são pessoais, raramente pelo bem geral. No dizer de Henrique Raposo, é "uma ética almoçarista que rege a pátria. É no circuito almoçarista que se decidem as prebendas, numa espécie de contrabando de intrigas, boatos e boutades".
Depois há o espanto. É aqui em Londres que encontramos o melhor banqueiro do mundo, António Horta Osório, prémio justamente atribuído pela Euromoney, e José Mourinho, o melhor treinador do mundo. São produtos nacionais, de uma educação nacional, crescidos num ambiente nacional, e que triunfam nos seus 'mesteres' num mundo extremamente competitivo. Para além destes casos, milhares de outros portugueses, triunfam em Londres nas suas profissões, desde porteiros, a pedreiros, aos que têm pequenos negócios, e a toda a comunidade portuguesa na área financeira. Quase sem excepção, pessoas formadas em Portugal, que são 'out-performers' no seu trabalho.
O que faz estes portugueses serem tão bem sucedidos fora de Portugal? O que os faz correr? Não dependem do Estado, nenhum dos mais de cem que conheci são funcionários públicos, quase todos trabalham mais horas que um londrino médio. O que os faz correr - parece-me - é o contexto, o ambiente. Um contexto onde existe uma correlação forte entre esforço e resultados. Algo que em Portugal é difuso por via das regras menos claras, pelos atalhos, dos jogos viciados e promíscuos entre os diferentes poderes.
Que caminhos? Para criar um novo Portugal precisaríamos _de uma verdadeira revolução, algo transformacional. Eu não acredito que os portugueses sejam pessoas de revolução. Ao contrário do que parece contar a história, somos demasiadamente resignados. As grandes mudanças como a queda da monarquia, o 25 de Abril, foram feitos com um punhado de homens, nunca com todo um povo a fazer a mudança, a sair às ruas. Apesar de acordarmos e deitarmo-nos a reclamar, como povo, aceitamos qualquer albarda que se coloque às costas. Então o que esperar? Há que esperar que toda uma nova geração, mais informada, mais viajada, menos dependente de atalhos, comece a ocupar o espaço deixado pela geração actual. Serão algumas décadas até isso acontecer mas tenho esperança - muita - nessa geração.
Antes dessa revolução gradual há pequenas revoluções que empresários e líderes podem fazer suas nossas organizações. Há que criar ambientes onde cada indivíduo, independentemente do seu cargo ou responsabilidade, possa entregar não o seu trabalho diligentemente mas toda a sua criatividade e capacidade de inovar. É o que tentamos fazer na Exago todos os dias tentamos criar um ecossistema, um quase micro-país onde as barreiras à performance são baixadas, onde cada pessoa é um inovador no seu espaço, que procura entregar novas formas de diferenciar por via de novos produtos, serviços, melhor atendimento e maior eficiência. Ao fazermos, não só estamos a criar uma empresa para o mundo mas também, acreditamos nós, estamos a contaminar as nossas pessoas, _as suas famílias e a comunidades onde interagem. Os exemplos ajudam-nos a acreditar que há caminhos alternativos aos actuais.
Antes dessa revolução gradual há pequenas revoluções que empresários e líderes podem fazer suas nossas organizações. Há que criar ambientes onde cada indivíduo, independentemente do seu cargo ou responsabilidade, possa entregar não o seu trabalho diligentemente mas toda a sua criatividade e capacidade de inovar. É o que tentamos fazer na Exago todos os dias tentamos criar um ecossistema, um quase micro-país onde as barreiras à performance são baixadas, onde cada pessoa é um inovador no seu espaço, que procura entregar novas formas de diferenciar por via de novos produtos, serviços, melhor atendimento e maior eficiência. Ao fazermos, não só estamos a criar uma empresa para o mundo mas também, acreditamos nós, estamos a contaminar as nossas pessoas, _as suas famílias e a comunidades onde interagem. Os exemplos ajudam-nos a acreditar que há caminhos alternativos aos actuais.
Finalmente, há todo um léxico que individualmente teremos que adoptar. Um léxico de construção, positivo, de mobilização. É o que aprendi aqui em Londres que as palavras, sempre repetidas como um mantra, passam também a influenciar os nossos hábitos. Que palavras também constroem nações.
Pedro do Carmo Costa, Co-fundador da Exago, empresa que desenvolve tecnologia de Inovação Empresarial. De Lisboa, casado e com quatro filhos, vive com a família em Londres desde Dezembro de 2011. Engenheiro de Produção Industrial, trabalhou dez anos em projectos internacionais na Strategos, empresa fundada por Gary Hamel. Tem 43 anos.
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