Para António Borges
São muitos os que já sublinharam a excepcionalidade da inteligência, do profissionalismo e da capacidade pedagógica de António Borges. E igualmente muitos os que evocaram o seu currículo internacional ímpar e, bem assim, o reconhecimento e prestígio correspondentes. Gostaria aqui de partilhar a memória límpida de cerca de um ano de reuniões semanais (2008-2009). E, mais claudicante e intermitente, a memória ulterior de uma ou outra conversa descontraída.
E essas memórias, tiradas praticamente de todas e de cada uma das suas intervenções, são a de uma preocupação permanente com Portugal e com os portugueses. O seu apego à pátria e ao destino dos portugueses era total. A força da sua convicção - que alguns, errónea ou maldosamente, confundiam com dogmatismo - assentava nesse desígnio do interesse geral. O optimismo do seu discurso - que alguns, ingénua ou perversamente, tomavam por voluntarismo - repousava numa confiança profunda na capacidade dos seus compatriotas.
No fazer política de António Borges, nunca havia espaço para as coisas pequenas. Em cada ideia, em cada controvérsia, em cada reflexão, estava sempre integrado um pensamento maior: o interesse geral. A análise de cada medida e de cada projecto implicava sempre um "pôr no contexto" - e o contexto era incontornavelmente o de uma sociedade de mérito, mais justa e mais livre. A política para António Borges não era um somatório de medidas, nem um cardápio de soluções. Era uma arte de aperfeiçoamento da sociedade e de transformação progressiva e constante.
Desses tempos, recordo a disponibilidade ilimitada para ajudar - muitas vezes, respondendo a pedidos inusitados e a desoras - na preparação de debates e de intervenções de política económica, orçamental ou financeira. Recordo a angústia - tudo menos tecnocrática - com que falava na situação das contas externas e na aflição - tudo menos científica - que lhe causava uma economia cada vez menos virada para a produção de bens transaccionáveis. A frontalidade e a vivacidade dos debates e das discussões eram garantidas, mas - ao invés do que se supõe - a capacidade para dar razão ao argumento do outro estava lá. Ou até a humildade para aceitar trabalhar na via do outro, mesmo mantendo razões e argumentos inalterados. E recordo ainda a preocupação com os que o rodeavam, a compaixão com o sofrimento humano, a crença de que a política - e não apenas a acção individual - podia melhorar a vida dos mais frágeis e injustiçados.
Em António Borges, cativou-me mais o pensar do que o pensamento. Com ele, julgo que aprendi a ser um político melhor. Se não aprendi, a culpa não foi do professor.
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