Reformatório do Estado
JOÃO CÉSAR DAS NEVES DN 05 agosto 2013
O que não seria insólito, pois a nossa lei básica já foi mudada sete vezes em 37 anos. A verdade, porém, é que essas alterações foram apenas de pormenor e, no essencial, o documento mantém-se quase igual ao de 1976.Fazer em 2013 uma profunda reforma da Constituição Portuguesa seria razoável, pois o texto revolucionário envelheceu depressa. Sendo a mais longa e verbosa da nossa história, com 32 251 palavras, a Constituição está manifestamente desactualizada, o que, aliás, a leva a ser abertamente ignorada no dia a dia.
O facto de o PCP ser o único partido que recorrentemente a invoca manifesta o problema. O que não admira, pois, em pleno século XXI, o documento ainda pretende "abrir caminho para uma sociedade socialista" (preâmbulo) e quer o "planeamento democrático do desenvolvimento económico e social" (art. 80.º, al. e), as regiões administrativas (255.º a 265.º), o controlo de gestão nas empresas pelas comissões de trabalhadores (54.º, n.º 5, al. b) e fantasias afins.Apesar disso, a Constituição não será revista e continuará como até agora. Se o Parlamento nem sequer se consegue entender no imperioso programa de estabilização financeira, como seria capaz de emendar a sério o texto básico? Por isso, a melhor solução é mantê-lo como está, continuando a ignorá-lo. Só que, como o Tribunal Constitucional é cada vez menos um poder judicial e se organiza em termos partidários, com maioria da oposição, torna--se patente que qualquer mudança estrutural será sempre muito limitada.
A única conclusão é que toda esta conversa não fala de uma reforma do Estado, mas simplesmente de um ligeiro ajuste. Será possível fazer melhoramentos sem mudar a Constituição? Claro que sim. Temos, aliás, excelentes planos. O professor Álvaro Santos Pereira, por exemplo, apresentou há dois anos o livro Portugal na Hora da Verdade. Como Vencer a Crise Nacional (Gradiva, 2011), e o dr. José Gomes Ferreira acaba de lançar outro: O Meu Programa de Governo (Livros d"Hoje, 2013).
Claro que estas propostas são necessariamente modelos abstractos, e desenhar uma planta de arquitecto é muito diferente de ter meios e força para construir o edifício. Apesar disso, esses planos, mesmo ideais, são muito mais concretos do que a reforma de Estado de que se fala. Porque, apesar de se falar muito dela, o que se sabe de palpável são apenas dois números: o montante a poupar e a data desse corte. Não é forma auspiciosa de fazer algo tão relevante. Na falta de reforma, haverá ao menos um verdadeiro ajustamento do Estado? A probabilidade é baixa. Certo é apenas que se continuará a falar muito disso, sem dizer exactamente o que significa.
Fala-se hoje muito de "reforma do Estado", e anseia-se ou teme-se o que aí vem. Mas o que significa isso exactamente? Vão mesmo mudar o País? Será a tão falada União Ibérica? Ou talvez uma federação com Galiza e Andaluzia afastada de Madrid? Também pode ser antes uma divisão. Daríamos independência à Madeira ou à Zona Metropolitana do Porto. Isso, sim, seria uma verdadeira reforma do Estado.Outra possibilidade era mudar o regime. Passaríamos da República Portuguesa a uma monarquia, sociedade sem classes ou aliança de tribos. Substituiríamos o Presidente da República por um rei, imperador, secretário-geral ou cônsul rotativo e o Parlamento por um senado de lordes, união de sindicatos, conselho de burgueses ou democracia popular com votações semanais no Facebook.
Será que, ao menos, essa reforma do Estado irá transferir a capital para Bragança, a cidade portuguesa mais perto de Bruxelas? Ou para a ilha das Flores, a mais afastada? Irão mudar o hino e a bandeira? Bons candidatos não faltariam, com os contributos dos Deolinda ou de Joana Vasconcelos. Essas coisas, que constituiriam verdadeiras reformas do Estado, nem sequer são ponderadas nos debates recentes. Vemos isso no facto de aqueles que solicitam a tão famigerada "reforma" nunca enunciarem sequer a pretensão de rever a Constituição. Se o texto fundamental define o Estado, uma reforma do Estado deveria passar por uma revisão constitucional. O que não seria insólito, pois a nossa lei básica já foi mudada sete vezes em 37 anos. A verdade, porém, é que essas alterações foram apenas de pormenor e, no essencial, o documento mantém-se quase igual ao de 1976.Fazer em 2013 uma profunda reforma da Constituição Portuguesa seria razoável, pois o texto revolucionário envelheceu depressa. Sendo a mais longa e verbosa da nossa história, com 32 251 palavras, a Constituição está manifestamente desactualizada, o que, aliás, a leva a ser abertamente ignorada no dia a dia.
O facto de o PCP ser o único partido que recorrentemente a invoca manifesta o problema. O que não admira, pois, em pleno século XXI, o documento ainda pretende "abrir caminho para uma sociedade socialista" (preâmbulo) e quer o "planeamento democrático do desenvolvimento económico e social" (art. 80.º, al. e), as regiões administrativas (255.º a 265.º), o controlo de gestão nas empresas pelas comissões de trabalhadores (54.º, n.º 5, al. b) e fantasias afins.Apesar disso, a Constituição não será revista e continuará como até agora. Se o Parlamento nem sequer se consegue entender no imperioso programa de estabilização financeira, como seria capaz de emendar a sério o texto básico? Por isso, a melhor solução é mantê-lo como está, continuando a ignorá-lo. Só que, como o Tribunal Constitucional é cada vez menos um poder judicial e se organiza em termos partidários, com maioria da oposição, torna--se patente que qualquer mudança estrutural será sempre muito limitada.
A única conclusão é que toda esta conversa não fala de uma reforma do Estado, mas simplesmente de um ligeiro ajuste. Será possível fazer melhoramentos sem mudar a Constituição? Claro que sim. Temos, aliás, excelentes planos. O professor Álvaro Santos Pereira, por exemplo, apresentou há dois anos o livro Portugal na Hora da Verdade. Como Vencer a Crise Nacional (Gradiva, 2011), e o dr. José Gomes Ferreira acaba de lançar outro: O Meu Programa de Governo (Livros d"Hoje, 2013).
Claro que estas propostas são necessariamente modelos abstractos, e desenhar uma planta de arquitecto é muito diferente de ter meios e força para construir o edifício. Apesar disso, esses planos, mesmo ideais, são muito mais concretos do que a reforma de Estado de que se fala. Porque, apesar de se falar muito dela, o que se sabe de palpável são apenas dois números: o montante a poupar e a data desse corte. Não é forma auspiciosa de fazer algo tão relevante. Na falta de reforma, haverá ao menos um verdadeiro ajustamento do Estado? A probabilidade é baixa. Certo é apenas que se continuará a falar muito disso, sem dizer exactamente o que significa.
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